Analogia

Se para cada noite em claro, o dia após não fosse iluminado, a ausência de luz assustaria cada alma bem-aventurada.

Jamais pensaria que algo tão nobre e puro pudesse trazer tamanho devaneio em meu destino.

A recessão de um sentimento tão grande, por tanto tempo, é devastadora. Como uma linda rosa, em seu ápice de saúde era admirável, mas nada é para sempre e toda linda flor apodrece. E como lidar com uma podridão interna?

Se para cada feixe de luz que refletem em seus olhos fosse perfurado um metro a fundo sobre as resistentes rochas terrestres, seria ainda assim difícil chegar a profundidade com a qual esta dor intransponível percorre cada segundo que vivo.

E como mudar? Se já sou consciente de minhas incertezas, se já sou consciente da causa do envenenamento de minha alma, o que me faz seguir com a dor?

Um desejo mundano de viver. Palpita meu peito ao imaginar uma vida com a solene e pura paz como o núcleo do conjunto Eu. A grande esfera pútrida ao lado do meu espírito demonstra a liberdade imaginária que tanto desejo. Vejo nesta esfera todo este sentimento, tão puro, tão grande, tão nobre. E como este sentimento celestial se tornaria este caos?

Se para cada gota de orvalho em uma manhã fria de inverno fosse removido um grão de areia do deserto de meu desalento, ainda sim se faria necessário milênios para que a vida fosse devolvida ao meu peito.

Tudo em exagero se torna um problema. Nem mesmo sentimentos generosos e solidários são exceções. O mais puro amor, o mais doce carinho, quando em exagero, se torna repugnante. Pessoas precisam do seu tempo, cada ser pensante precisa digerir o tsunami de informações que o mundo moderno deposita sobre sua consciência a cada dia vivido. O mais puro amor, o mais doce carinho, exagerados e reprimidos, então, se tornam uma poderosa onda explosiva. O mundo é traiçoeiro demais. Nada se mantém intacto de todo o caos humanitário. Nem mesmo seus mais profundos sentimentos.

Um lindo sentimento, em grande escala, reprimido, é uma fábrica de um novelo de podridão. As águas negras da vida hão de apodrecer o que é mantido em cativeiro no fundo da tua alma.

E o que lhe resta além do ódio e rancor? O que há de fazer, se não ser humano, e culpar outros por seus próprios defeitos? Como consequência de sua empatia, de sua boa índole, de seus sentimentos restringidos, a aura negra começa a ser alimentada. O ódio começa a surgir e o que um dia fora aquele sentimento puro e belo, dá lugar a um lodo amargo e sujo de podridão.

O que difere eu de você, é simples. O que faz você seguir em frente em meio a este caos interno, em meio a este conflito de emoções, é este ódio. Você odeia quem você amou, e isto te faz viver, isto te faz deixar pra trás tudo o que é relacionado ao cruel destino que viera a acontecer. O que me faz diferente, é também este ódio. Este ódio que eu bebo, que eu tomo para mim, que eu não deixo escapar. Este ódio que corrói a minha própria vitalidade. Eu não odeio quem eu amei, eu odeio quem amou. Eu enterro este ódio no mesmo peito em que nasceu. Eu me martirizo com esta dor, para que a pessoa que eu amei, viva em paz.

Se para cada molécula do ar fosse creditado um centavo a qualquer pessoa do mundo, ainda sim esta pessoa jamais seria tão rica quanto o meu desejo pela soberana paz.

Carlos Knoll
Enviado por Carlos Knoll em 19/07/2016
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