Por que não o instante...
Por que não
Percorrer o desenho dos pastores
Que educam a imaginação
Sob a planície de oceanos antigos...
Preencher a sôfrega estrada
Onde as ervas se vão cansando
E as aves solitárias da noite vão continuamente frequentando o ar
Nos ramos das folhas secas da noite...
Desdizer habilidades amarguradas
E conciliar as palavras no jardim da busca do instante...
Segredar os cânticos das aves
Altos e profundos...
Lançar os olhos aos sulcos da lua
E sonhar... amar...
Procurar por um instante o colar dos olhares
Nas águas deslumbradas da ânsia tenuemente disfarçada...
Fantasiarem, amantes, os encantamentos
Do vento... que passa... que passa...
E que vem dos lados de um mar primordial...
Perderem-se os amantes e vincarem o reencontro
Nas margens invisíveis da sociedade...
Não serem os amantes a própria refulgência
Do seu fragor oculto...
Não serem os amantes
Nos gritos que
O coração lastima... mas encanta...
E chega...
apetece...
deseja...
Fruir...
fluir...
possuir...
Desfrutar as descobertas dos roteiros
De rebanhos parados...
Cumprir os pensamentos e os sonhos
De uma melodia muda... e ardente...
Não serem os amantes os passos
Nos areais de um pinhal
Onde as estrelas se confundem com o sol
E onde a lua desce
Sobre a única telha solta do telhado do campo...
Demandar nos raios sedutores da penumbra sôfrega
A imagem aquilina dos propósitos encobertos pela ausência...
Desprender a circunstância das palavras atrevidas
E depois... não dizer nada...? Nada... Só adivinhar a pausa do momento...
Soltar os segredos
E esperar... e não dizer nada...
Suspender palavras soltas
Da profundidade suspensa dos pensamentos
E, de novo... não dizer nada...
E dizer que, afinal,
As palavras se rendem ao silêncio...
Escutar a voz da madrugada,
Brincar às adivinhas com os raios da claridade
E com o fascínio desamparado
Dos barcos nocturnos lado a lado... ou em fila...
Momentaneamente juntos no desencontro dos muros de que fazem parte...
Por que não!
Os poetas passam pela noite
Quando os relógios, parados nos corpos sôfregos,
Distribuem castelos
De desejos dissimulados nos espaços fugidios do esquecimento...
A linha da água, essa,
Esbate-se... escondida...
Quando se esquece que
Até o sol sonha
Com o mistério do teu olhar...
E com a ternura cativa das tuas mãos
(DIONÍSIO VILA MAIOR, in "Cântico Atlante", Coimbra, Pé de Página Editores)