Rubro encanto
Hoje,
Sem retirar à recordação o ardente sabor concebido em torno do teu corpo,
Sem os versos espontâneos da tua voz, vizinha de sonhos oceânicos…
Hoje,
Sem provar o gracioso repouso,
Sem ressurgir na fúlgida delícia da emoção peregrina que se encanta no teu olhar…
Hoje,
Pensamento meu mareando
(em silêncio)
Nas ondas vadias e gentis da tua imagem apetecidamente colorida…
Hoje,
Sem escutar o mistério singular e errante da melodia perfumada dos teus gestos,
Aconchegantes
no dia a dia
Em dourada graça e distinção do lamento de rosas mordidas pela dor…
Hoje,
Que te preenches de água-marinha em horas risonhas
(ausentes de lembranças reservadas),
E que juraste de novo por Apolo, por Esculápio, por Hígia e Panaceia,
E que de novo beijaste o verde como um navio cor de esmeralda, em cujo retiro
(belo na sua luz cativante)
Apetecem mil lamparinas de eternas nithingales…
Hoje,
Pelas horas amplas em que a incompreensão
(dormindo de olhar decotado e fluindo com tonalidades turvas)
Se vai ajeitando desdenhosa contra a margem mimosa da tua estrada…
Hoje,
No limiar das coisas universais da beleza e do movimento
Em que voluptuosamente consistes,
Em que se fecham teus olhos respirando secretas e húmidas harmonias,
Em que tuas mãos sorriem, rítmicas e oscilantes, às estrelas…
Em que um apetecido esplendor se desdobra por entre as tuas árvores,
Em que, amante, te estendes à ousadia do desejo,
e bailas
(com teu traje expansivo),
e estremeces
(com a cadência vital da primavera… de onde não te afastas),
e, iludindo rios e marés, beijas e invocas sucessivos beijos
(do lado de lá ao tempo)…
Hoje,
Que das encostas da montanha ouço o sopro erótico no teu aroma de anjo…
Hoje,
Entre duas ondas que se derramaram na praia da tua tez
E te inundaram em laranjais de fulgores sensuais,
Unindo-se em realce no teu corpo descoberto em segredo…
Hoje,
Em que teu decidido abraço de trigo com fragrâncias maternais
Se encontra com a poesia para além da imaginação…
Hoje,
Em que na tua forma de infinita adolescente se dança o balanço
lúbrico,
tenro,
impulsivo
de ardências sublimes…
Como quem só pede uma parcela de infinito
E…
E merece um rosto cantando os areais de um litoral imenso de luar…
Hoje,
Em que a voz distante do mar te envolveu nos seus braços
E te entoou, também ele, canções de embalar
Sim, hoje…
Hoje…
Possuí o teu sorriso.
(DIONÍSIO VILA MAIOR, in "Cântico Atlante", Coimbra, Pé de Página Editores)