Sentido contrário
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"Eu fui obrigada a conhecer o avesso do mundo. Pra sobreviver à dor de não entender o que tinha acontecido.
A dor de te perder. Eu tive que nascer pra vida da cidade. Não a vida social, mas a vida da cidade e de seus cantos esquecidos. O lixo do lixo. Eu me perdia pela cidade, anônima, e esse anonimato era um vício. Eu não ter meu nome me absolvia de tudo. Eu me embebedava do desejo cego por qualquer um... E assim, eu me iniciei na solidão coletiva dos que não têm nada a perder. Mas, talvez, eu tenha até mais que os outros a tentação de corresponder ao bem. Uma tentação tão grande e absoluta, um desejo de corresponder de forma tão total, que paradoxalmente me tornou e me torna escrava cega de minha escuridão. E quando essa escuridão me possui, eu até a confundo com uma espécie de bem-aventurança."
(Fauzi Arap)
eu sou a primeira curva depois do túnel
sou a zona de perigo
sou a placa de contra-mão do latifúndio
a mata fechada sem abrigo
sou um dos anéis de Saturno
um pássaro predador
um bicho do escuro, noturno
um viajante e sua dor
sou o caos das noites permissivas
a fúria das águas de além mar
sou o veneno das ervas nativas
copo sujo de mesa de bar
sou o livro proibido, maldito
santo espatifado no altar
sanha das putas em grito
loucura pura, de arrasar
sou verbo sem conjugação
fila de banco em dia de chuva
estória de assombração
dormência de mão, apertada luva
sou perdição de alma sofrida
martelo, lixa, bandida
sou louca de risco e tristeza
sou sangramento, ardor e febre
prato vazio de uma mesa
até que o amor me celebre.
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