A insustentável delicadeza do desejo
Até te desejar...
Percorri caminhos fugitivos, sequiosos do vento da madrugada,
E desabriguei o meu entusiasmo num profundo e cristalino contorno nocturno...
Quando te estremeci...
Em teu corpo e ao teu riso bailarino
Em silêncio a melancolia se consumiu.
E soltaste...
Numa suavidade distante e delicada,
Com os cabelos soltos das ruas de uma cidade singular...
Quando te desvendo...
Abandono-me ao perfume de uma estrela rubente
Onde algures o teu sorriso trémulo
Se entrelaça com um gozo primaveril...
Desejando-te
Em murmúrios infinitos...
E querer saber loucamente cantar, como tu,
As verdades de um amor companheiro do desejo...
Desejando-te...
Marejando em verbena na imensa mansidão de um fruto tropical
Que ali na mesa que estremece divide o seu repouso
Com as luzes secretas de uma vela dançante
E com a cadência sonora de uma voz com sotaque...
E depois
Busquei-te eternamente mulher,
Como rosa intocável,
Sabendo que
A insustentável delicadeza do desejo
Nasce do beijo com que o mar desprende as areias
E, depois,
Respirar
A fertilidade do teu olhar escondido,
Partilhando a cumplicidade das sombras ondulantes
Pelo espelho da noite com que de perto gratifica a unidade...
Circundar
A convergência húmida e abandonada dos corpos...
Conjuntos...
Como pomos desdobrados ao calor repenicado e aconchegante do vale de espumas...
E, afinal,
Adormecer...
... ao som tranquilo da íris da parede brilhante...
E, afinal,
Saber que
O Querer e o Desejo não se escrevem...
persistem...
em
cÂNTICo
aTLANTe
(DIONÍSIO VILA MAIOR, in "Cântico Atlante", Coimbra, Pé de Página Editores)