VIDAS SUBMERSAS

Questionei os seus motivos,

Os seus restos de razão

Se é que ainda havia um pouco de

Razão na irracionalidade

Do seu gesto.

Questionei a forma

Como você apareceu,

Como me surpreendeu

Ao vir de novo em minha vida,

Em nossa vida,

Pois desde que você se

Foi não saiu da minha

Como não saí da sua!

Seus olhos hoje têm

Outro brilho: mais

Enigmáticos ou sou eu

Quem perdeu o jeito

De olhá-los?

Quem se tornou opaco

Ou mais reflexivo?

Há neles algo fugidio,

Algo misterioso

Como se um segredo

Estivesse a ponto de

Se revelar.

Como se sussurrassem

Frases ou palavras profanas,

Mantras proferidos

No rescaldo da

Incandescência da sua

Alma, já não tão ardente,

Mas que ainda exala

Fumaça de pequenos

Incêndios que o vento

Caprichosamente faz

Questão de reavivar

E que não preocupam

A companhia de bombeiros

Ou os voluntários da

Defesa Civil, caminhando

Entre seus destroços,

Em busca de outros sinais de vida

Ou das causas de desastre

Na sua caixa preta.

Seus olhos têm o brilho

Carregado pela sua

Existência.

Pelos amores que deixou

Na antesala da felicidade,

Do lado de fora, nos

Umbrais do Paraíso,

No espaço que há

Entre o Céu e o

Inferno e por isso

Seus amores foram quase:

Quase amores,

Quase horrores

Quase vida.

São eles que me dizem:

“Vou voltar, haja o que houver,

Pois se não voltar

A história vai ficar

Sem fim, como tantas

Outras que a antecederam

E que se perderam

Em enredo de autora

Principiante.“

“Vou voltar, pois

Dos muitos capítulos

Já escritos, as melhores

Palavras foram esculpidas

De uma vez, sem

Necessidade de rascunhos

Ou muita elaboração.”

“Vou voltar, vou

Reconstruir as

Vigas da ponte que

Um dia me ligou às

Suas margens

E que a tempestade

À montante do meu

Rio trouxe inundação,

Erodindo os caminhos

Entre a minha ilha

E o seu lado

Seguro da floresta.”

“Vou voltar pois

Pelas arestas do meu coração

Ainda há fiapos das nossas

Cobertas, ainda há suores

Dos nossos corpos,

Ainda há o reflexo dos ecos dos

Nossos dias e noites.”

“Vou voltar porque

O clarão de uma

Nova tempestade

Se anuncia e com ela

A rebeldia das águas

Vai derrubar as

Últimas pilastras,

Separando de vez

As nossas margens,

Os nossos olhos

E o que ainda resta das

Nossas vidas”

“Vou voltar

Porque vidas submersas

São como navios naufragados

Em lugares desconhecidos,

Tesouros escondidos

Entre cardumes e que um dia

Exploradores vão tentar decifrar,

Vão tentar contar suas histórias

Distorcidas, no calor da descoberta.”

“Vou voltar enquanto houver

Vida, porque se ainda

Houver uma mínima saída,

Um vão de pedra onde

Possa me agarrar, eu vou

Voltar. Mesmo que as cheias

Cheguem, que o rio transborde

E que as primeiras águas cubram

Minha última tentativa.

Eu vou voltar!”

08.09.07

Paulo Sergio Medeiros Carneiro
Enviado por Paulo Sergio Medeiros Carneiro em 08/09/2007
Reeditado em 10/04/2010
Código do texto: T643613
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.