Engano
É manhã de domingo
O calor deixa a minha nuca úmida
Me arranca de um sono leve
No qual meus sonhos eram cheios de você
Giro o corpo
O levando para mais perto do seu
Afastando os olhos da claridade
E sentindo o ritmo tranquilo que seu peito segue
O constante subir e descer
Saio do quarto, passos pesados pela casa
Ecoam na minha mente turva
Onde pouco a pouco os pensamentos que evito tomam o seu lugar
Me deparo com a sala bagunçada
Ignoro a mobília revirada
Onde em um acesso de raiva
Quis fazer tudo desaparecer
Sigo até a cozinha
O fantasma que me assombra aos poucos reforça seu aperto na minha garganta
Um calafrio me faz estremecer
Mato a sede da minha boca seca
Torcendo para que a água arraste para longe o crescente bloqueio
Aquele que me faz querer chorar.
Lavo o rosto no banheiro
Encaro a imagem no espelho
O desespero atrás dos olhos no reflexo me transforma em um estranho
Me desconheço
Tenho medo
De que toda a farsa desabe
E a verdade nua me destrua outra vez
Volto ao quarto, até você
Para assistir a sua calmaria
Buscar forças e me manter estável
Mesmo que meu interior se contorça de dor.
Tenho mentido
Para mim, para nós dois
Tenho fingido
Repetido para os quatro cantos um mantra fraco
De que as partes ruins não importam
Mesmo que machuquem
Já que as boas fazem meus demônios se calarem
Me permitem viver.
Tenho me enganado
Tentando acreditar que o nosso amor é forte
Para sobreviver a minha loucura
E ao seu desamparo
Mesmo que a plenitude do começo nunca volte
Me agarro a esperança doente
De acordar o sol que habita em nós
De esperar que os ventos mudem
Nos levem de volta onde mergulhamos da primeira vez
Mas não importa as tentativas
Nosso amor já é ruína
Onde nos ferimos
Onde logo iremos nos perder