Muralhas
Tijolos, um a um, sobrepuseram-me no coração,
Era instante de eclipse, o brilho se esvaia.
A cada desencanto meu, dor, nova desilusão,
A muralha se formava, sua sombra se estendia.
Tijolos, pouco a pouco, foram-se realinhando
Ao teu semblante, gesto, sentimento teu incontido.
Na turbulência, nossos corpos se entrelaçando,
A fortaleza se transmutava, tornava-se em abrigo.
Tijolos, ponta a ponta, eu desfazia, desmoronavam.
A luz do sol por seus vazios já penetrava, invadia.
Quanto mais te amava, mais minhas mãos se calejavam
Na construção do jardim que tua claridade absorvia.
Nas ruínas, pedra a pedra, recomponho tua partida,
Reúno teus fragmentos, caminho agora pelo árido chão,
À noite, lembro-me dessa tua fera outrora adormecida,
E, com tua ausência, desperto-me para este mundo cão.
Juntem-se os escombros, faça-se argamassa novamente.
Ao recordar o que se foi e a desesperança de te ter,
E face ao que perdi, e não mais viverei plenamente,
Erga-se novo muro com cada lágrima minha a escorrer.