Você não conhece todos os meus versos.

Você ainda não conhece os versos

que nascem na calada da madrugada fria

embaixo do cobertor.

Você não conhece os versos que nascem

quando sozinho, preocupado e sem graça

ando pelas ruas insossas de Belford Roxo

e vejo suas paredes descascadas,

seus comércios decadentes,

os adolescentes indo para a escola em bandos histéricos,

os homens nus da cintura para cima bebendo cerveja,

as mulheres carregando sacolas de supermercado,

as crianças brincando,

os muros pixados,

os terraços das casas perdidos entre as abóbadas das árvores,

o asfalto sujo e corroído de excremento de cavalo.

Você não conhece os versos que nascem

quando ao ouvir canções de amor

me derreto como o sorvete

que se derrete ao calor da língua,

pois somente nos meus versos

posso, quero e devo fazer amor,

não só com mulheres e homens,

mas também com crianças, bichos,

plantas, coisas, anjos, santos

e Deus muito além das orações.

Você não sabe que meus versos

querendo conquistar além de amizades

acabam saqueando corações e almas

e não conseguem saquear corpos.

É mais louvável, belo e heróico

saquear corações e almas,

mas meus versos, mesmo assim,

sentem inveja do versos que saqueiam corpos.

Eles também desejam as efemeridades,

as futilidades, as inutilidades, os escárnios,

as zombarias, os abusos, os excessos,

as orgias, as luxurias, o prazer.

Meus versos piratas

não querem o ouro,

não querem a prata,

não querem o euro,

nem o dólar.

Eles querem a bobeira, a palhaçada,

a maluquice, a brincadeira.

Portanto,

não me venha com seu falso equilíbrio,

seu cuidado, seu bom senso, seu "você há de convir",

seu "não é bem assim", seu "você tem certeza?",

seu "pense melhor", seu "você pode se arrepender".

Seu tudo aquilo que é a gaiola do mundo,

o cadeado do sonho,

a grade da vida

que quer encarceirar o céu

que pare a pomba branca da paz,

a terra que pare o lôdo,

o espelho que mostra a minha cara

parindo minha barba e meu bigode,

o sentimento que pare o gesto,

o pensamento que pare a palavra,

a natureza que pare a paixão.

É...

Você não conhece todos os meus versos.