Recomeçar de novo

Aí você acorda, depois de meses angustiado perguntando por quê, por quê, por quê...

E vê que sobreviveu a cada um desses dias.

Toda dor que sentia não era real, cada palpitação, cada arfar, te deu mais combustível para continuar andando.

Vê que não adianta mais guardar luto, o filho já está morto, o pai já se foi, a mãe já não está, você agora aceita que ela está em um novo romance á tempos.

Daí , você olha no espelho e não reconhece quem está vendo.

Esses olhos fundos não são aqueles que brilharam á toa, o canto baixo da boca te dá um ar de muito mais velho, o sorriso amarelo denuncia que você já não é mais você ou não é nem a sombra do que já foi um dia.

Você vê que não é por que não mais a verá, que o amor que julga ter por ela morrerá ou acabará como algo limitado num estoque.

Vocês seguirão as próprias vidas, novos desafios virão, novas oportunidades surgirão, outras aventuras, talvez até mais prazerosos acontecerão.

Mas o amor impossível sonhado juntos continuará em cada um, com sua devida proporção.

Você rirá um sorriso de medo do futuro e um outro ainda maior de satisfação por ter podido amar aquela mulher de todas as maneiras físicas e emocionais possíveis.

E então entenderá que é a hora do banho puro e verdadeiro.

Hora de se livrar de todo ranço deste amor impossível.

Hora de entender que certas aves não se perpetuam em alguns lugares, vivem lá por uma temporada, buscam o melhor para se protegerem e deixam suas cores para nos alegrarem.

E como num ritual de passagem, um último aceno, o último cruzar de olhares antes da curva, você chora se esvaziando.

E quando sai do banho, percebe que aquele ser inanimado foi embora com as águas, você tornou-se outro.

Nem triste, por que sabe que a vida tem que seguir, nem eufórico, por que sabe que ainda nada novo aconteceu.

Mas liberto, libertador, livre, dono de si próprio, cheio de esperanças em começar uma nova história, quem sabe tão boa ou melhor que esta!