LEMBRANÇAS DESFEITAS

LEMBRANÇAS DESFEITAS

Pedaço velho cansado

Rachaduras na alma

Descascada derme, ranhuras decadentes

Perfila imagens das escórias que pertenço

Morada empoeirada, sujas vidraças

Com olhos foscos nublados

Onde os sonhos são passageiras nuvens

Deixando-me apenas charco e gelada carne

Neste outono que perco

Mais algumas folhas grudadas nas paredes

Não as tenho para agarrar e pedir socorro

Comer de suas raízes um tanto mais

Recorro ao passado

Mas sou eu apenas que sobrevivo

E não posso tirar a limpo essa estória

Remover camadas, caiar em cores pardas

A peste do tempo já não tem tanta memória

Das lindas serenatas, dos amores seresteiros

Abro-me, pois meu cadeado pede

Carinho do vento na face

Mesmo que venha violento e quebre o cristal

Não posso fechar-me, pois estou às vistas

Sem eira, sem beira, tri eiras

Caído beiral

Lembranças desfeitas saltaram de mim

Racho sozinha, sem pouso dos pássaros

Neste outono enfastiado

Nesta cor morta, pálida, trigueira

Que da massa, do pão já não cresce

Murcha, fria, fatigada e fatiada

Nem meus fantasmas voam para deliciarem-se

Farelos fadados de vida

E sem sal

Cintia Thomé

Faz parte do livro da autora Cíntia Thomé - OLHOS DE FOLHA MINHA

pela livraria Saraiva

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Direitos já registrados.

Cíntia Thomé
Enviado por Cíntia Thomé em 02/12/2007
Reeditado em 02/06/2008
Código do texto: T761509
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