ÍNTIMA
Fiz amizade com a dor -
Agora temos a mesma sintonia.
Ela chega nas horas calmas do dia,
Puxa uma cadeira a minha frente
E ficamos a olhos fixos
No horizonte da poesia.
Sem querer ela me incomoda
Com seu modo de buscar lembranças.
Ri quando vê semelhanças
Entre o eu adulto e o eu criança.
Estamos íntimos no doer,
Feito o martelo e o prego
Dentro da mesma batida.
Enquanto estamos unidos
Não há sossego, não há abrigo,
Somente um sopro de vida.
A noite, tal qual um cão,
Vigiando porta e soleira,
Ela se esgueira
Entre o pensamento e o sono.
Enlaça-me feito cobertor macio
Por dentro a alma, fio a fio
Tecendo a morte sem dono.
Como não posso deixa-la ir
Aprendo de modo simples
A amar o incorrigível -
A olhar pra ela e sorrir
Dos termos do impossível.
( Assim passam-se horas
A doer o coração que implora
Descanso na mente sensível )
Vou de abandono a abandono
Buscando alento
E me perco no deserto a cada passo.
Pra dor não importa o sofrimento,
Se é neve ou aço,
A finalidade é a mesma e mata
Com a simplicidade de uma falta.
( As vezes terna, com suavidade...)
Dói de saber ser eterna;
Dói de saber ser saudade.