PAGADOR DE PROMESSAS IMPOSSÍVEIS

PAGADOR DE PROMESSAS IMPOSSÍVEIS*

Como posso entrar na tua casa

Chorar meus rosários

Ajoelhar-me diante de ti?

Como posso entrar na tua casa

Onde incineraram corpos

Como o meu que arde aqui?

Como posso entrar na tua casa?

Procuro amor, redenção

Não o fogo que te corroeu

As labaredas das vaidades

O brilho do ouro que não é teu

Brilho das lágrimas dos pedintes

Com palavras mal-ditas e malditas

Como posso entrar na tua casa?

Se nem hebraico ou grego sabes?

Como posso entrar na tua casa

Se não tenho nada a dar

Só a pedir a quem não habita aqui?

Como posso?

Se sou palmeira curvada,

Se tenho os pés descalços

Raízes e dedos em pura terra

E sou franciscana ou causa impossível?

Como posso

Se já subi e desci escadas

Carregando apenas o jegue

Como cruz às minhas costas?

Como posso pagar a você que não existe?

Paguei o que custei a mim mesma

Nos cartões picotados

Nos de plástico partidos

Na solidão cruel, meu dedo sem anel

Na parte da filha carne rósea e devorada de mim!

Ah! Meu filho que cedo partiu!

Agora, “sem um puto”!

Aquele puto que veneras tanto!

Ah! Tentações do Diabo

Oh! Casa do Senhor, onde estás?

Como posso

Entregar a minha vida?

Se apenas tenho um pobre jegue

Gordo e fétido puxado por mim

Ou eu puxada por ele?

Ah! Cruz das cruzes!

O pecado foi amar a ganância

Na minha ignorância de crer nos homens

Arrogância do semelhante

Nos versículos que não são desta boca podre?

Como posso entrar aqui?

Se as palavras dos homens imolaram-me,

Todos os gritos da minha cerrada boca?

Como posso entrar aqui?

O meu estandarte é a vela que queima os pecados

Círios, lanternas dos sóis da minha vida!

Cuspiram, escarraram no meu mundo

Tão sonhador e criança...

Como posso entrar aqui?

Habitante patético,

Devorador de criancinhas, do apagar das velas

Vendeu-me apagada, lucro banal!

Surreal e animal!

Como posso?

Se é proibido sentar com meu irmão

De todas as etnias do Universo?

Como posso acreditar no vendedor de ilusões

Que marketeia a obra de caridade

Da Irmandade? Ou castidade?

Se não tem caridade do pobre que mendiga na descida...

Sou palmeira e as andorinhas gorjeiam,

Gorjeiam lá e não cá

Farrapos, estrumes que o irmão amaldiçoa

Escória de tua obra ao mundo

Mundo só dele e que late e todos tem medo

Ladrão e a lança surripiando inocências

Como posso entrar nesta casa?

Que apenas tem um aveludado tapete

Onde a sujeira escondida em dourada bata

Escorre no ralo ao rato Inferno do escolhido

Do semelhante mascarado, que diz impropérios

Na negra e falsa oração,

Cão show-man?

"Vinde a mim! Vinde a mim!"

Falso! Mentiroso iconoclasta!

Irei, mas não aqui

E não deixarei aqui a minha cruz

As beatas com ligas e lingeries

Irão adorar o Rei mais e mais

Véus negros nos pensamentos

Sobre as cabeças vazias e fálicas

Odeiam a maltrapilha veste de mim

Do Cristo e dos cristos

Que sabem e tudo vêem

Multidão! Não serei apedrejado e palhaço

Não serei eu a dizer o fim, o ocaso

Não serei apontado, esquartejado

Não serei o único!

Não serei gozo, repúdio e ridicularizado

Serei a palmeira imperial

E em mim amarrarei meu jegue

Curvar-me-ei com a minha cruz

Na revolta de Deus

E terei as andorinhas que gorjeiam

Como coroa de louros

E espinhos em lágrimas

Vinde a mim! Vide a mim!

Estarei lá com o vento na face

Curvado e ajoelhado

Com meu jegue beijando a Terra

Frente à Luz!

Ah! Deus! Sombra minha!

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Cíntia Thomé

Faz parte do livro da autora Cíntia Thomé - OLHOS DE FOLHA MINHA

pela livraria Saraiva

Cíntia Thomé
Enviado por Cíntia Thomé em 27/12/2007
Reeditado em 09/07/2008
Código do texto: T793333
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