Canção às Almas do Cemitério dos Inocentes

Helio Rodrigues Rocha

I

Ó mãe de todas as almas

Trazei-me palavras aos ouvidos.

Não quero ser confundido

Com um deus entre estes queridos

Mas com toda emoção alardear

Com o coração falar

Aos morados do Cemitério dos Inocentes

Que recitados por mim clamam:

Ó sina! Ó mundo amazônico!

Guardai - nos eternamente.

II

Pai! Pai destas almas que dormem,

Traga-me a sonoridade e a leveza,

A inteligência e a maestria

Para escrever estes versos

Feitos com profunda emoção

Em homenagem aos meus irmãos

Que já se encontram libertos

Voaram rumo à eternidade

Após rápida viagem! Ah, espertos!

São estes meus valorosos compadres e comadres!

III

Abri ó portais do paraíso!

Obedeçam ao meu clamor!

Minhas feridas e dores

Meus pensamentos e aviso:

Coroai-os! Vista - os com vestes celestiais!

Cantai-lhes celestiais melodias

Fazei com que aquele que sofria

Sorria, anime-se, viva em paz.

IV

Deste lado estou caminhando,

Aguardando o Grande Dia!

Flores, músicas, rumores,

Sol, neblina e ventania

Estão preparando-se há séculos

Na espera do meu chamado.

Aproveitemos o instante, ó mortos!

Digam-me qual é o dia

que o mundo dos mortais deixarei de habitar?

Pois já vivi inúmera vezes a data

De meu velório, do meu atravessar.

Porém, já chorei convulsivamente

Mas na mente, não consigo vislumbrar

Ter uma revelação do momento e do dia

Em que a passagem se dará

Para o além!

Ao raiar do dia?

V

Ah! bem sabeis vós do meu sonhar:

Viver eternamente! Eternidade encontrar.

Nessa agonia e peleja

Minha alma veleja...

Ó vento que balança

As folhas destas árvores cemiteriais

Tragam-me a noticia de Dora,

De Cláudia, Márcia e Adonay:

Mostrem-me como estão existindo

Por esses mundos afora.

Não esqueça da Clementina

Minha adorada menina

Que há muito se foi embora

VI

Sepultura! Sepultura!

Abre-te de uma vez!

Por que consomes minha alegria

E aguardas o meu deitar?

Se tu sabes que não escapo

Por que tentas me puxar?

Ah, quem és tu, boca da morte!

Urubu? Cobra? Pedra de má sorte?

Por que não me deixas caminhar?

VII

Ó Cidade de Porto Velho

Por que esqueceste dos teus mortos?

São tão belos e joviais!

Merecem toda nossa atenção.

Se estão presos, libertai-vos!

Se estão livres, cantai-lhes!

São preciosa joias raras,

Belos como o beija-flor

Livres! Livres! Almas valorosas!

VIII

Levanta-te Chongor e Nóbrega

Despertai do sono da morte.

Acorda, Elvira e Frazão,

Darwich, Bento, João Resky, Carvalho e Silva

Manuelão, Valverde, Chaves de Sá e Rivero

Remove, sacode, estremece

Toda a população do cemitério!

Façamos nossa quermesse,

Preces? Ah, vamos, comecem!

IX

Sepultura, abre-te, escuta o bem-te-vi

Musgo, lama, pedregulhos

Conduza-os do porvir.

Fernando, foste embora tão jovem.

Ah, és agora um anjo

E te sentas aos pés da cachoeira!

Foste um pássaro entre teus familiares e amigos

Por que partiste tão cedo é o que não entendo

Ah, estava faltando tu no coral celeste!

Se não dormes é por razões divinas

Tu e aquelas duas meninas

Eternizados pelo Pai Celestial

Cumprem missões por entre os ainda mortais.

X

Vejo agora que em vida

Precisamos meditar e alcançar

A glória que é vir, ir e voltar

Aos mais recônditos lugares

Chega-se, sai-se e retorna-se

Alma ou espírito, dizei-me

Quantas vidas já vivi?

Quantas vidas viverei?

Ah, um belo romance eu produzirei

Dize-me tu, espírito evoluído.

Por mais que as razões eu desconheça

Que eu cresça e aos mortos venere

É este o meu tempo de sorte

Porque naquele dia festivo

Ao nascer de um novo dia

Chegarás à porta, tu, oh morte!