A bola vai, a vida vem...

As mulheres na várzea...

Com o time tatuado no peito

Driblam a segunda, a primeira e a terceira

Dançam no meio do campo e na beira

Trocam o vestido pelo calção

O salto pela chuteira

A meia de seda pelo meião

Bebem pelos pés a força ancestral

Frágil é apenas a grama

Que não sobreviveu no lamaçal...

Mulheres que costuram histórias

Na medida em que a bola vai, a vida vem

Sábado, abrem alas

Domingo se calam

Chega a segunda.

Seus avessos contêm pratos e patroas

Crianças nas costas e nos seios

Suas mãos perfumadas de cheiros...

Mulheres na várzea

Dão vazão ao infinito

De um universo mais bonito

Uma sinestesia de alegria e dor

Um sopro de vida e um suspiro de gol

Risadas ritmadas aos gritos

Fogos que estrelam o céu

A bateria que cala os olhos, quando a bola rola

A mulher que espera o samba, o abraço, o batuque

O coração que berra, emudece e insulta...

A bola vai e a vida vem

Driblam, correm e desviam

Vestidas de terra, giram e giram,

Seguram a bandeira e firmam o passo.

recebem a força do barro

A bola rola, rola

Mas a chuteira crava suas garras no chão

Mulheres na várzea

Mantêm o olhar de rebeldia

Lustram o emblema do time que apreciam

Em volta do campo, enquanto eles jogam

Elas cultuam seus rituais:

Torcem pelo gol,

Retorcem a água no enxágue do uniforme

Torcem para que o jogador não retorça o pé

Contorcem o frio no abdômen

Vibram com o destroce do adversário

A poeira entre o pé, a bola e o chão

A bola vai e a vida vem....

* Poema produzido para os extras do Documentário: Varzéa: a bola rolada na beira do coração,do poeta Akins Kinte, lançado em fevereiro de 2010.