Mãe,
De onde te veio esse sorriso
Na precariedade e no sofrimento?
Com que olhares me criavas?
Que de mim esperarias?

De onde a força que levavas
Na vida-breve, tormento?

Como pudeste prosseguir sabendo
Que nada além de maior dor te esperava,
Que nunca me criarias, como dizias,
e eu sabia que sabias?

Tanto lias... mas porque bordavas
E como Penélope tecias infinitas rendas
Por um Ulisses que não merecia as prendas

Dessas mãos imaculadas
Tão finas, de unhas cuidadas,
Mãos de menina que eras,
Que menina findarias?

Olhando o teu olhar estremeço
De orgulho. E se me vejo no espelho
No meu olhar vejo o nosso

Mãe coragem, atravesso
As altas chamas do mundo
E como tu vou cantando
O Fado que, nos calhando,

Na nossa voz reconheço.
E de coragem recobro
No pouco de ti que lembro

Vamos, na vida e na morte, sorrindo! 


Para Alice de Jesus Gouveia Petronilho, 1932-1958