O espelho quebrado

O espelho quebrado

Lavei as lágrimas na mais fria água.

Ao secar meu rosto, de olhos fechados,

Senti teus cabelos, seu cheiro de novo.

Teu perfume tão pronunciado

Me preveniu de abrir os olhos novamente.

Abracei-me a mim mesmo comprimindo os braços

Sufocando a dor candente no meu peito,

Colorindo o breu com teu retrato.

A sentir de novo o teu contato.

Arranhando a pele, vi que o sangue não brotava

Como que cimentou-se após sua partida.

Girando em torno do meu eixo,

Todas as lembranças reapareceram,

Como um carrossel à minha volta.

E você narrava tudo, como fosse um filme.

A dor da tua ausência

Só reflete a intensidade da tua pretérita companhia.

E a morosidade dos dias presentes só o parece

Em contraste com a lepidez do tempo que compartilhamos.

Mas, que fazer com os caminhos que abriste na alma?

As sendas tão iguais sem ti para me apontar o dedo!

Tudo demasiado leve, pois não há mais teu peso.

Veio-me uma sucessão de luares e auroras

E crepúsculos e outros belos lugares,

Dos quais descobri ter gravado cada minuto.

Foi quando me vesti com tuas cores,

Me perfumei com o teu inigualável cheiro.

Senti vibrarem nos lábios as canções que mais gostavas

Quando a lembrança dos teus beijos me arrancou os pés do chão.

Ou teria sido o chão que, então, desaparecera?

Nunca antes percebera como a brisa

Combina tão perfeitamente com o breu.

Senti teu espírito tocando o meu rosto, me acariciando

E tal frescor se apossou de minha alma...

Como quando repousavas

Junto a mim nas noites frias de inverno.

Até que percebi que tuas carícias já não vinham de fora

Mas se expandiam desde dentro!

Senti tua presença me dominando como um surto,

O amor como reordenando os órgãos

E , finalmente, tua voz, que, ao abrir os olhos

Reconheci, pois confundia-se à minha.

(Djalma Silveira)