Livro POESIA SAUDADES

7 - Saudades

Guimarães Rocha

Rios que choram

Os rios não sentem saudade

Passando sem mais voltar

Sem pressa

Vão trazendo

Alimentando

Multiplicando

Vidas

Jamais serão os mesmos

Depois que correm

Mas os rios são

A própria expressão

Da saudade real porém

No sentido inverso

Não choram de dentro pra fora

Choram de fora pra dentro

Depois se lançando ao mar

Quero voltar

Querer mais

Saudade é isso

Querer de volta

O que já se teve

Foi bom

E mais não se tem

Significa também

Ter havido crescimento

Atos de amor

Querendo voltar

Saudade então

Quer dizer

O que se teve

Foi bom demais

...

Saudades

Nosso encontro foi

Uma conspiração

Das forças da vida

Nesses impulsos

A saudade com certeza

Morava na intimidade

Nisso muita explosão havia

Ensaiando implosão

A saudade não morria

Em mim

Mesmo quando ao teu lado

Muito tempo permanecia

Teu coração distante

Mantendo em todo instante

A dor calada da ausência

Sempre tão anunciada

Fugiste mas não lograste

De mim obter distância

Agora em meu pensamento

Tão presente tu te encontras

Que é como naquele tempo

Quando tão perto de mim

Teu calor delicioso quanto ausente

A cada instante de saudade

Bem pertinho me matava um tanto

Voltei

Pra dentro

Voltei porque estava

Saudoso de outros tempos

Em que eu era senhor

Do coração que apanha

Mas bate no peito

Novamente seguro

Busquei arrumar a casa

Sem saber que pro futuro

Jamais estaria só

O passeio em tua direção

E depois em tua companhia

Resultou na impossibilidade

De eu prosseguir sozinho

Hoje sou preso

De uma estranha saudade

Do poder de mando

Que um dia tive

Sobre o meu coração

Mesmo ainda podendo

Retomar antigos caminhos

Do lado de dentro

Jamais poderei ir só

Pois tu estarás comigo

Sempre pois te amei

Pra nunca mais deixar

De amar

A qualidade disso

É a tua presença-raiz

No meu pensamento-voz

A cada intenção-lembrança

Que em minha mente acordar

Buscando se elaborar

Para um dia ser feliz

Viver de novo

Lágrima rolada

Sereno quente

Perolando gotas

Na face

Dos que choram por amor

Saudade dor

O saudoso deseja apenas

Viver de novo

Saudades exprimem

Poder e força para retomar

A vida fluída

O tempo é irreversível

Mas o que é bom

Repete-se para o bem

Dos corações que amam

Voltar a viver é função

Dos que perderam de momento

A oportunidade

Deus no entanto

Dá funções à natureza

Para que tudo para todos

Seja sempre renovado

...

Saudade-Luz

Pra que voltar

Se nem preciso sair

Sendo fóton-partícula

Da mesma luz que há em ti?

Na tua calma vital

Quero descobrir

Encontrar sentir

Encantar mostrar

Minha luz

Quero viver

Afagar

Quero tua luz-desejo

Iluminar

Mostremos ao mundo

A felicidade

Como é bela a realidade

Quando se sabe amar

A pureza

Descobre-encontra

Encanto

Beleza

Paraíso radiante

Iluminado iluminante

Amo esta luz

Com teu encanto

Na eterna primavera

Da vida

Conserve este perfume

Deus

Pra ganhar coração

Um canto

Uma canção

Moça na janela

Pra ganhar meu coração

Foi pra ela

Foi por ela

Que fiz esta canção

Canto uma canção

Pela janela sempre aberta

Do meu coração

Se não fosse pra ela

Se não fosse por ela

Não faria esta canção

Sorrindo à flor dos olhos

Entregando gotas de amor

Pra ganhar coração

Chuva ameaça

Pedras que se dissolvem

Chove agora

A chuva cai

Cantando nos telhados

Canções de ninar

Despertando na gente

Tristezas e dores

Vai lavando as calçadas

Refrescando o ar

Há outra chuva lá fora

Nas esquinas do mundo

De balas ferindo matando

Murchando secando flores

Semeando jardins

De cores dissabores

Aroma de fumaça molhada

Garotos nascidos hoje

Trazem sonho esperança

Evocando em nós lembranças

De longas terrenas trincheiras

As guerras sugerem

Canhões bombas destruição

Membros decepados

Corpos mutilados

Ilusões amores mortos

Entre zumbidos de aviões

Agitam-se folhagens

Pendentes de caules cansados

Gritando com gotas plúmbeas

Rios choram de si mesmos

Incertos errantes desertos

Sujos devastados rolando

Em leitos poluídos

Chuva fria quente

Canção dolente

Despertando sonhos

Ilusões adormecidas

Elos de outros tempos

De outra gente

Despencando gota a gota

Do subconsciente

Para o coração

Meu coração

De apertos expansões

Dilatações mil contrações

Conheço meu coração

Formato espaço

Sístoles diástoles

Veias artérias

Sem falsidade

Transportando sangue

Máquina-gente

Neste templo

Que contemplo

O sangue escuro

Às vezes se faz duro

E descontente

com muita gente

Tenho saudade

De um outro coração

Que amei

Ânsia amorosa

No recordar das paixões

Coração que se fez alheio

Calado deserto

Negando-me o maná

Da esperança

Minh’alma desprovida

Dessa gota cristalina

Ausentava-se da calma

Sofrendo com o dia

Na dolorosa impressão

De haver amado em vão

Fui visto assim

Esquecido e longe do bem-querer

Mas embora não fosse

Aquecido por aquele amor

Tão sentido

Ele muito me ajudou

A viver

Magoado e desprezado

O ciúme me aguilhoou

Desiludido vivi

Foi como se o velho mar

Negasse o pingo d’água

À fonte do amor

O coração sem jeito disse

— Cala-te sujeito!

Ninguém no mundo é perfeito

Por que será?

Embora sem ter vivido

Todo amor que senti

Jamais dele me esqueci

Marchei sem rumo

Mulheres buscando incerto

Sem meta prumo reta

Caminhei ouvindo

Parando pensando

Ficando suspenso

Expectante de um triste fado

Não raro invejado

Desejado amado

Senti-me condenado

Sem saber por quem

Ou por que

Morto-vivo me senti

Vivendo de mortos objetivos

Fui sem futuro

Barrado no escuro

Sem ar puro pra respirar

Vitória ou glória

Sem saber por que desejar

Por entre as batidas

Do meu coração

Ressoa ainda o trovão

Da luta que se refaz

Sempre para não morrer

O fanal de salutares emoções

...

Prostituta

Na vida estive no mar

Da indiferença

Habitado por feras

Crudelíssimas

Escorpiões

Víboras fabricando dores mortais

Nas oficinas da vida

Sonhos desfeitos fizeram

Esmaecer no peito

A doce ilusão de muito querer

Estafa de amor

Fingimento maldito

Massacrando o sentimento

Chorei lhe adorando

Me sentindo culpado

Indiferente

Quem é

Cadê

O que é de você?

Me fez chorar sofrer

Um dia joguei a vida

No mar da morte me perdi

Para amar você

...

Súplica

Humilde é a voz que clama

Pela presença-chama

Da companhia-mulher

Sentido e apoio à vida

Meu amor não me deixe só

Pois assim não quer Deus

Que fique o homem

Não deixe a solidão

Obscurecer minha vida

Deixe sim

Comigo

A sua luz vidente de amor

O seu bem-querer

Em mim pode anular

A intransigência

A descrença

O desânimo atroz

Envolva-me no aroma

Do seu perfume

Venha marcar-me

Com seu amor

Venha sim

Para aquecer

Meu coração

Venha em chamas

Chamas vivas de amor

Chamas que marcam

Profundamente

Vidas

Tremor sutil

Letras de fogo

Gravadas no coração

Fortaleza

Rua Washington Luís

A Praia do Futuro

Este céu nem sempre é o mesmo

Redescubro-me criança

Ludhiana

Ludmila

Areia já não é tão branca

Música de Toquinho e Vinícius

Mar verde-azul

Sonhos de Neruda

No muro

O despertar

De Mastruz-com-leite

O forno pimenta malagueta

Esquenta nossa participação

O quadro do melhor pintor

Está entre a Volta de Jurema

E a Praia de Iracema

Bate e rebate

O mar no meu coração

Praia do Náutico

Não há espaço pra tristeza

Fortaleza é o fim

Da Solidão

Neste amanhecer

De praias límpidas

O céu está ao nosso alcance

A maré vem molhar meus sonhos

Quando volta se desfaz

Minha fantasia

...

Meu Encanto-Mar

Em fortaleza

De tantas luzes

Muita luz vem do mar

Graça e beleza

No rosto de cada criatura

No olhar um brilho

Singular

Pouco importa

As posses que se tem

A fala com jeito próprio

Linguagem objetiva

Límpida

A orla marítima

O Futuro – Que praia linda!

O Mucuripe – domínio dos pescadores

Mágica Volta de Jurema

Chegar à praia de Iracema

É reviver a doce origem

Do povo do Ceará

Guimarães Rocha
Enviado por Guimarães Rocha em 17/08/2006
Código do texto: T218880