Lins de Vasconcelos

Anos setenta dos meus melhores dias

Descoberta de cheiros, cores e linhas

Contrastes de ares, mares e vidas

Cidade grande bem maior do que a minha

No Lins era inverno, cedinho, ainda sem luz

Todo dia de manhã saía pra padaria

Na Sendas da Dias da Cruz

Pra comprar o pão com Tio Napoleão

Descíamos a Mário Piragibe, vazia

Onde o sol do friozinho de julho me aquecia

Passava pelas árvores sempre molhadas

Do inevitável sereno da madrugada

No comecinho das férias da escola

Com minha mãe e minha irmã no subúrbio carioca

As manhãs tinham cheiro de feira de rua e fruta

Nas calçadas escorregadias de chuva

Devagarzinho acorda o dia

Café da manhã na mesa da cozinha

Com o rádio ligado de Tia Filinha

O entra e sai dos primos em sua rotina

De longe espiava do quarto de costura da minha tia

As antenas no Sumaré, verde de mato e pretinho de barraco

Na favela onde subiam as pipas de dia

E os balões, no céu de São João, de tardinha

Do parapeito da janela eu via

Na garagem do prédio da vizinha

Onde o calhambeque de ferrugem que jazia

Coberto de entulho, triste, sujo morria

No Méier, um movimento de dar medo

Comércio aberto desde cedo

Ponto de ônibus, avenida lotada

Gente pra lá e pra cá se esbarrando nas calçadas

De volta pra casa, sacola na mão

Feliz subo as ruas com Tio Napoleão

Boteco, cigarro, quitanda, aperto de mão

Todo mundo parece conhecer o velho bonachão

Os ipês acompanham nossa caminhada

Pulo os hidrantes quase sem tinta, antes vermelhos

Olhando pro chão na rua esbucarada

Lendo datas nas tampas de ferro dos bueiros

E a gente segue caminhando, falando

Aperta-se passo, sempre acenando

Depressa pra chegar logo

Enquanto a água no bule vai esquentando

Chegamos no prédio virado de lado

Na rua calma de férias, de poucas casas

No Lins de jardins bem cuidados

Silêncio, sem crianças ou carros

Café com pão e manteiga, quentinho

Da Zona Norte trago lembranças e carinho

Daquelas férias da minha infância, feliz sorrio

Começava a aventuta de mais um dia no Rio.

Fábio Pirajá
Enviado por Fábio Pirajá em 10/05/2007
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