ODE À MORTE
Abre sobre mim teu manto de sombras
Inefável penumbra do imponderável
Olha-me com teus olhos antárticos
Meus faróis já apontam glaciares estrelas
Todos já ao passar me ignoram
Envolva-me no negrume deste tecido de dores
Crispe meus músculos com teu hálito acre
Ponha termo em toda a ruína ilógica, escatológica
Cronológica irreversibilidade do teu toque
Já me quedo agônico por décadas
Como se fosse morte parte dos suspiros vitais
Estabeleça tua irrevogável sina de ausência
Instale a demência pra que não sofra ao partir
Beija-me com a hipotermia dos teus lábios secos
Castre meus movimentos um a um, faz-me boneco
Torna-me submisso aos teus mórbidos desígnios
Imponha-me uma morte cósmica e silente
Veemente perda súbita de vida sem decadências
Sem as subserviências irremediáveis do morrer vão
Acolhe-me Tânatos sob tuas asas e teu férreo coração
Como acolheste Leônidas e seus trezentos de Esparta
Numa nuvem de setas que tornou noite o sol da manhã
De-me guarida sem rancores ou mágoas
Posto que cá estou entregue e despojado de armas
Violentado pelas imperfeições e escárnios
Impotente para seguir clamando nas areias
Não quero o presente da ressurreição
Pois o recomeço só me traria mais involuído
Denegrido, maculado pelo meu descaso em vida
Essa noite quero estar só, prostrado naquela mesa
Pensando no que não fiz
Por não saber ou não querer
Impulsionado por um ócio lacerante
Ou por inebriante ignorância como o seco vinho
Quero uma extinção absoluta e irremediável
Como a morte dos elfos e das fadas
Que nunca nasceram
Sem a transmutação da matéria
Quero extinção etérea como o fogo de uma vela