A poesia é um DOOM de Deus
Eu queria ser Maiakovski
Pra falar um monte de coisa que ninguém entende,
Peixes de luz, girafas de pedra, esternocleidomastóideo cor de violetas...
Pra tomar vodka barata e senti-la
Descer pela goela como uma bola de fogo.
Eu queria ser Neruda, pra falar de amor
Como quem fala de algum amigo de infância
Que chega num domingo sem avisar
Lhe acorda de manhã e meche na sua geladeira.
Eu queria ser Augusto dos Anjos pra entender de Química,
Biologia, Filosofia, Budismo, Culinária, Parafusos, etc.
Seguir meu caminho e nietzscheanamente amar meu destino,
Aceitar schopenhauerianamente a dor de cada dia
E heideggerianamente não ter medo da morte.
Eu queria ser Baudelaire pra viver num tempo
Em que as pessoas se escandalizavam com uma verdadinha de nada,
Cumprimentar Deus do outro lado da rua
E dar um abraço apertado em Belzebu.
Eu queria ser Rimbaud,
Ter um monte de visão e mesmo assim
Não ser jogado no fundo de um hospício,
Ser chamado de viado, de baitola, de pederasta,
Só porque estou um passo a frente do meu tempo.
Eu queria ser Drummond, pra ter um coração menor que o mundo,
Mas mesmo assim muito maior que o meu,
Pra ser duro como o ferro de Itabira e não ficar chorando
Por cada mosca que pousa sobre mim
E viver ébrio de dor e poesia.
Mas tenho que me contentar comigo mesmo,
Policromático aborto de mim mesmo,
Semeador de letras e palavras toscas
Que ficam germinando no papel dobrado,
Carne mal lavada e crucificada
Nesta poesia que é um DOOM de Deus.