Um Relógio de Vidro

O relógio de vidro espatifou-se em solene espetáculo para o mundo dos invisíveis.

Espalhou-se em uma explosão de milhares cacos como se fossem gotas d’água.

Vi milhares de meu rosto em cada fragmento, cada um em seu próprio grito único e singular.

E vi tudo a minha volta preso em um silêncio nauseante, perturbador e necessário.

Não restou muito de mim naquele chão.

Não restou quase nada.

Nem mesmo meus malditos sonhos.

O relógio de vidro não existe mais, não da mesma forma.

Ele não trabalha mais para o Senhor Tic-Tac.

Ele não anuncia mais as estações e nem à hora do Demônio.

O relógio de vidro é somente um pequeno lago de fragmentos sem sentido ou verdade.

No lago onde se encontra milhares de gritos abafados, escondidos, aprisionados em distorcidos reflexos.

Mas o tempo não pára.

O Senhor Tic-Tac nunca tira férias ou cai nos braços de Morpheus.

Os dias vêem, as noites se vão e assim seguem todos e tudo mais.

Nem mesmo a dor pode parar nessa corrida sem fim e sem vencedores.

E mesmo contra a minha vontade... Eu corro.

Corro para lugar nenhum, para nenhuma linha de chegada.

Corro para um fim que não existe nem mesmo para a morte.

E me torno como os restos do que um dia foi um relógio...

Um silencioso relógio de vidro.

Jaguar SS
Enviado por Jaguar SS em 22/03/2009
Reeditado em 22/03/2009
Código do texto: T1499366