O Espelho


Não gosto de me olhar no espelho. Redondo, quadrado,
sextavado. Com moldura de prata, mogno ou marfim.
Retrovisor ou colocado estrategicamente dentro da bolsa.
Nem para passar batom, aqueles pequenininhos
que se vêem em bolsas das  senharas mais refinadas.
Não é pelo espelho.
Não gosto nem das águas claras do riacho
ou dos móveis tão envernizados que refletem minha dor.
É pela dor. A dor que se torna visível
quando se reflete no espelho.
Quando voltam para os olhos de quem sente tal tristeza.
O espelho se torna amaldiçoado. Para que dizer
                                               para que contar
tudo aquilo que eu me esforço    para esconder?
Às vezes penso que sou feliz. 
Sinto-me bela e jovem e vou por aí. Toda alegre
                                                     convencida
                                                     invencível!
Ai, mas de repente, não mais que
           de repente me caem das mãos os embrulhos
e meus pés estacam  frente a  uma vitrine.
Daquelas que pensam que são bem verdadeiras.
Metidas. Sofistificadas.
O que faz aí na calçada esta alma penada?
Uva passa encarquilhada?
Vou me por de costas. Não vou olhar nem para você.
Não quero ver refletida nos seus olhos
o que eu penso que você pensa de mim.

( do livro inédito: Mapa da Vida )