NÃO É MAIS SONHO
Então num suspiro profundo acordei
Fitei nos olhos o meu sonho
Por anos alimentado e intocado
Fruto de minhas próprias mentiras
Da minha própria cegueira
Já não era aquilo tudo
Todo desgrenhado, roupas rotas
Maquiagem derretida
Pelo choro e pelo descaso de meses
E como não era mais sonho
Pude notar os detalhes, os poros
Todos os seus porões iluminaram-se
Visitei cada pormenor da quimera
Ávido por lhe conhecer os brilhos
Todo aquele esmero por mim alinhavado
Toda aquela visagem ideal
Qual nada, pensei
Perdera-se tudo num vislumbre
Se podia parar para olhar
Então já não era ilusão, refleti
As ilusões são esvoaçantes
Sobrevoam nossas cabeças
Inatingíveis, quase sem contornos
Sua luz nos cega à menor tentativa de fixar o olhar
Esmaecera o requinte , a pureza
As perfeições degeneraram
O que era liso enrugou
Amarfanhou-se num único gesto
Como algo que entra no vácuo
As curvas enrijeceram
Privaram-se da sinuosidade
A graça não suportou a realidade
Vi-me sendo consumido
Carcomido pelas entranhas
Por um câncer terminal
Diante daquele despertar macabro