CARINA

Ouso falar em Carina.

Aquela mesma que os homens desprezam.

Aquela já esquecida,

aquela flor pisoteada

pelas circunstâncias da vida.

Aquela que é apenas

um dado nas estatísticas das perdas.

Ouso lembrar de Carina.

A que na verdade era Odete.

Mas que nos jornais dizia ser Carina

e dizia ser sexy

e dizia fazer tudo

ao gosto do freguês.

Carina, a que fazia sexo oral.

A que fazia sexo anal.

A que trepava com homens,

mulheres e velhos.

Aquela que enfiou um consolo

de dezoito centímetros

no ânus, no cu do deputado mais votado

pelo povo de nossa cidade.

Carina, a que fazia de tudo.

Mas nunca fez amor.

Ouso falar de Odete,

cuja fantasia era Carina,

máscara que escondia

uma tristeza hipertrófica.

Todos viam o sorriso de Carina,

mas não escutavam

os lamentos de Odete.

Ouso mostrar a máscara

e revelar, por trás dela,

a face de uma dor.

Odete é feita de sonhos desfeitos.

Odete é feita de carne dorida.

Odete é feita de fome e de medo.

Carina, não.

Carina é a festa que não apaga.

Carina é a noite rápida e envergonhada.

Coberta de sêmen e suor,

Carina nos olha de longe.

Carina morre e renasce

com as sombras da noite.

Odete, não.

Falha em viver e se entrega

ao vício de acreditar

que nenhuma outra vida é possível.

Ouso falar em Carina,

ouso falar em Odete.

Duas faces da mesma moeda.

Moeda de centavos,

jogada na sarjeta da periferia.

Viviane Rolando
Enviado por Viviane Rolando em 16/04/2007
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