Escrita em sangue
Obseda-me ser fúnebre
como cão a guardar tua alma
no corpo dela subtraído,
desde agora sob o sol dos males.
Macabro é o amor,
em estado de fazer doer
a dor que sempre infligi
sem jamais antes senti-la em mim.
Teu busto me reclama febre,
delírio de impressões delicadas,
tristezas inconfessáveis,agora
para sempre em tuas veias
e pulmões: asas de ave morta
sem cânticos e nem mais silêncios.
Meu antropófago tórax é teu féretro;
ainda são tuas minhas mãos
necrófilas que, em busca
de calor carregam-te ao colo.
Sempre busquei na morte
(não na tua, fique claro,como
a luz que não verás
de novo, porque tudo
que nos cega é a morte):
o sabor final do amor:
Saboroso amor do dia-a-dia:
hematoma de contentamento
na virilha entre as duas coxas
onde, ao pôr-te ao chão, enfio
o rosto para derramar saliva e lágrimas em teu colo doce e frio,
como se menino-homem
fosse capaz de amar-te
com a mesma pungência
daquela primeira vez em sangue.