Yuri não está aqui para ler minhas poesias mais.

Yuri não está aqui para ler minhas poesias mais. Se ele estivesse talvez fosse ler sobre esse choro uníssono e doloroso na mesma medida. Ele imaginaria os jogos violentos que reproduzem na tela o que não podemos reproduzir na vida, em meio ao ódio, a manipulação e a impunidade. As palavras são repetidas, as discussões são sempre as mesmas, mas a dor incrivelmente só tende a piorar.

Ele leria que as vezes fico refletindo nos privilégios que tenho e agradeço, mas que me sinto sozinha no mundo quando não há nem onde chorar nem dormir quando o que deveria ser um lar se torna um inferno. Vou dormir na rua? No chão, em meio ao frio? Talvez este seja mais caloroso e receptivo então. E os mendigos de que nós temos medo se tornariam amigos, mais confiáveis e palpáveis do que aqueles que assistiram nosso nascimento. Eles reconheceriam nossa inocência e verdade mais do que qualquer um.

O Yuri saberia que a música que está tocando foi cantada por aquela menina que perdeu os movimentos da perna. Eu não perdi, então por que não sinto o chão?

No fim ele perceberia que a raíz do problema não é falha de caráter, mas um erro sistêmico que eu, quando tento mudar, sou mais agredida pelos ditos ''apoiadores.'' Yuri leria meu poema, seria compreensivo, e diria que a vida é foda mesmo. Para mim seria o suficiente. Pena que o Yuri não leu esse poema.

Dona Ana
Enviado por Dona Ana em 28/06/2016
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