O Aleppo de cá
Hoje sonhei um sonho
Quase medonho de se sonhar.
Ainda nem tinha secado os olhos
Pelas crianças do Aleppo de lá,
E já tínhamos outro choro,
Outro Aleppo pra chorar.
As lágrimas saltavam dos olhos,
Pulavam feito pororocas,
Era pela carne das crianças brasileiras,
Pelo sangue delas que escorria
Pelos vãos dos dedos dos que contavam
Dinheiro sujo da fome da gente...
Nas contas incontáveis,
Nos bancos e bancadas evangélicas,
Católicas, ateias e de umbanda,
Aos trancos e barrancos,
Lá estava a carne que faltava
Nos... Nos ossos febris dos pequeninos.
Faltou coragem pra mostrar a cara,
Embora fosse apenas um sonho,
Olhei pela fresta, era uma festa, uma siesta...
De abrirem-se mil academias
E, ainda assim, a gordura escorria...
Na outra via, eu vi, havia
Seres esquálidos, vindos de outros sonhos
Impossíveis de ser quimeras.
Eram rostos cavados, costelas quase fora,
Pensei que fosse um teatro
Maquiado pela dor e pela agonia,
Mas não era maquiagem não,
Era a fome que se apresentava no palco,
Era uma amiga da morte lenta
Que, se não fosse sonhado, ninguém veria...
carlinhos matogrosso