O SOBREVIVENTE.

O SOBREVIVENTE.

Ninguém jamais saberá quem eu fui

O que passei,... À sobrevivência à morte.

Estou em guerra com o amanhã, em transe pelo futuro

Marcado pelo passado e assombrado pelo homem.

Em Varsóvia, o escombro do gueto me possui

Assando na neve, o fogo de dentro é mais forte

O suor, saliva seu medo no desejo mais pão-duro

Seca a esperança quando vede o vazio do abdômen

Preferiria estar amassado pelas correias dos tanques

Ou sucumbido pelos destroços dos bombardeios.

Esqueci-me de como é chorar de tantas lágrimas perdidas

Ao ver minha família sendo executada sem crime

Inocentes, agora escravos, nos tribunais dos saques

Ali, aonde a vida encontrou seus freios

Põe-nos à prova sobre a teoria dos suicidas

A vida tornou-se um mal sublime.

Trens e sua carga funesta deslizavam em trilhos cúmplices

Nos campos, sem flores, eu vi as bizarrices

Em desfiles de caveiras pelo alojamento

Estávamos a serviço do vil entretenimento

Porem a maior tortura é abandonar quem tu és

Pensar em se ignorar, é aceitar os pontapés.

A água era o remédio do cólera e da febre tifóide

Pouco a pouco me transformei em humanóide

Os céus nunca tiveram piedade de nós

Amou-nos com tanto rancor que causou inveja aos arianos.

As carroças eram a ambição dos fantasmas

Farrapos que viramos nesses transportes tétricos

Fosseis vivos de lamentos sem voz

Cinzas da terra em crematórios insanos

Em câmaras de gás o banho encontrou seus sofismas

E ouvi o horror nos calafrios de dentes elétricos.

Alguns sofrimentos são tão vergonhosos

Que não conseguimos contar a quem amamos.

O vento canta suas linguagens das covas

Desova o sombrio odor da nossa angustia

Em algum momento do ser humano

Em todo coração e cérebro, o ódio tem de acabar

E eu tenho a coisa mais perigosa que alguém jamais me roubou

A lembrança,... As marcas da mercadoria que fui.

CHICO DE ARRUDA.

CHICO BEZERRA
Enviado por CHICO BEZERRA em 05/08/2017
Código do texto: T6075376
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