JÁ FUI BELA

Seus abraços cheiram mal e me oprimem.

Quero me afastar, mas não tenho forças,

Sem vitalidades que se esvaíram com o vício,

E sou esquálida, só ossos, o pudor perdi.

Recordo nas minhas alucinações tão loucas,

Que fui bela, corpo esbelto, perfeitas formas,

E nos meus cabelos esvoaçantes uma flor morou,

Que a brisa suave espalhava seus perfumes.

Vi minha infância onde fui linda bailarina,

Equilibrando nas pontas dos pés o corpo gracioso,

E quando a música me convidava para dançar,

Deleitava plateias e meus pais se encantavam.

Um dia uma pequena pedra pediram para cheirar,

Colocando nela uma chama até tendenciosa,

E a fumaça penetrou fundo na minha sensibilidade,

Causando euforias que me deixaram alucinada.

Prazeres momentâneos tive-os em abundância,

Que logo se dissolviam e novamente despertavam,

E assim o vício foi aos poucos me dominando,

Com o crack tão nojento entoando sua vitória.

Um corpo bonito deixou então de existir,

E em trapos converti meu perfil até ousado,

Que meus pais tristemente viram se dissipar,

Pois a filha de seus orgulhos já não mais existia.

Sou uma ambulante que procura até nos lixos,

Alimentos que cheiram mal para não morrer,

E se não tenho mais bens que até roubei,

Entrego meu corpo para ganhar alguns trocados,

E nos delírios enganosos vou levando meu destino.

Jairo Valio- 23-08-2020