tanto e tão pouco

você viu os cinzeiros cheios

você viu as garrafas vazias

você viu a música na garganta da noite

você sentiu o calor subir dos pés e repousar

na nuca

até se tremer com o sopro da Morte

você emprestou seus olhos para os gatos

saírem da chuva

você leu os livros abertos em quartos suados

você queimou as dores do abandono materno

você bebeu a última água do próprio deserto

você teve cãibras por andar demais e também

por estar parado demais

você percorreu a distância que te separa

de quem você realmente é

daquele de quem você esconde

daquele de quem você luta para não deixar

falar as palavras mais envergonhadas

daquele de quem você luta para não deixar

fazer as coisas mais envergonhadas

e você chora

e você chora

e você chora

e você chora lavando a louça

e você chora tomando banho

e você chora atravessando a rua

e você chora calçando o tênis

e você chora na fila do mercado

e você chora aos passos rápidos de um sono

acordado para o chão do quarto

e você chora

ao fim do dia

porque nada mais restou.

Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 01/03/2023
Código do texto: T7730273
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