Meu Senhor

Eu ouvi os seus recados, mas ``nesse seu agora`` não tinha me atido, por preguiça ou desdém. E sempre ouvia um mar naquele caracol que o menino encontrou na praia e o deixou esparramado pela casa. Eu senti o seu cheiro, que cheirava como as coisas tocadas pela alma e o caracol transpondo tempo, que não era o seu tempo. Pois Você Meu Senhor, nunca falou sobre tempo e pacientemente enviava-me seus chamados. Agora pela musica, na guitarra do menino, coloridos metais, aonde se toca primeiro com o olhar, depois, só bem depois, com as pontas dos dedos, os dedos invocando o som, o som procurando o resto. Mas daí mudou a música e mudou o senso, e nisso também não pensei, pois seu agora, não existia para mim.

...E foi naquele sol que deita de lado e ilumina de amarelo claro as frestas por onde espio, véu, após véu, e o corpo deixado de lado, na tarde silenciosa. Embaixo, a poesia amassada de algum caderno mal fechado. Qual será, mesmo, a poesia, agora que cena me chama e me amassa feito folha e mistura-me as letras e arrebata-me o olhar?

Olhar de dentro do dentro da alma, um templo inexplorado, onde o único caminho era a sua voz, inserida na luz mais pura e brilhante, naquele instante inesquecível, daquele instante, entre a sombra e o que deleita os olhos meus-menina __ que não acordou por inteiro. O livro da vida aberto, poesia embaixo, a vida em cima. Entre as frestas, tem essa luz que chama, mas não abriu as portas, foi preciso olhar profundo, mergulhar nas profundezas daquele caracol. Uma matéria por demais concreta, que não me deixava avançar. Era necessário a reza certa, ou o poema declamado por inteiro. Mas lá estavam as poesias, desenhadas de lado, emolduradas no poente, arrebatando os olhos de menina que ainda não sabe pedir, mas se soubesse, ah, se soubesse... Amassaria por ELE todos os cadernos e a pauta ficaria branca, como é branco o espaço entre a alma e a matéria, não conseguia transpor o véu que pela fresta espiou Margaridas colhidas antes do tempo. ..E atravessei mais que paredes: milhas. Tenho essa afoiteza de querer ceifar no tempo, que conceito errado, pois tempo não existiu nessa cena, e tem essa vontade que não me deixa pensar. Hipnose ou covardia, mas é aí que entendo quando as flores estão prontas. Neste ponto em que a dança dos olhos vira dança de mãos de menina que já não precisa de frestas, que as cortinas dos olhos entreabertos revelam-NO por inteiro, é neste ponto em que a música muda e vem com esse jeito maluco de mexer e remexer a palavra na garganta, esse fôlego inteiro que é a vida numa

única respiração.. No mais profundo silencio, dentro daquela menina, transcendeu espaços-milagre: encontrou nas margaridas, em mosaicos, de um cristal dourado: ``EU SOU`` é o seu Lord, a razão pela qual todas as tardes existem...

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 24/06/2014
Reeditado em 17/08/2015
Código do texto: T4856286
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