Nirvana
Nirvana
“Felicidade
foi-se embora
e a saudade no meu peito
‘inda mora
e é por isso que eu gosto
lá de fora
por que sei que a falsidade
não vigora”
Voei distante a bordo do meu pensamento
Por um momento pensei mesmo viajava
Não planejava, só planava em meio ao vento
Não apressava e então fluía, mesmo lento
A tudo atendo enquanto a brisa me soprava
Acompanhado de fragrâncias de óleo bento
Dos mil perfumes, um por um saboreava
Não me importava quanto tempo duraria
Nem onde estava nem ao menos onde iria
Só sei que estava no lugar que mais queria
E onde iria - sei - ninguém me aguardava
Desafiava, mas ninguém me perseguia
...
Fiz do meu sonho a tocha acesa em pleno dia
Que me queimava, mas sua luz não atingia
Os olhos parvos de quem nunca me enxergava
Como entedia o pensamento à mente escrava
Não compreendia o que vãmente aguardava
Tão conformada co’a esperança d’outro dia
Se, como escrava, facilmente se iludia
O que diria de sonhar então liberta
Estando alerta ao que este mundo oferecia
Quem sabe um dia! - a esperança ainda resta
A maior festa seja a busca da harmonia
E da alegria plena que ela nos empresta
...
Me emocionava esse brincar em pleno dia
Mesmo vadio, já não mais me preocupava
Com que faria ou por que não trabalhava
Não me iludia, pois em sonho sei que estava
Onde a verdade virou pó num pensamento
E num momento - percebi - me libertava
A luz intensa que, então, se apresentava
Uma janela aberta para o firmamento
Um novo plano que p’ra mim se anunciava
Não lamentava aquela mesa assim vazia
Nem o silêncio, onde ninguém me incomodava
Nem a palavra inacabada que escrevia
...
A poesia derradeira s’estendia
Por amplos campos, verdejantes, perfumados
Com bandos d’aves revoando ao meu lado
Como eu, rumavam tendo a luz como seu guia
Cujo cortejo, em euforia acompanhava
Enquanto ria das lembranças que guardava
E quanto mais daquela luz me aproximava
Daquela luz que tudo como qu’apagava
Não enxergava, mas incrível o que sentia
Senti qu’as dores mais agudas se curavam
Enquanto as mágoas oriundas do passado
Se dissipavam quando, enfim, as compreendia
...
Senti que tudo estava a mim conectado
E ter chorado, enquanto aos poucos descobria
Que renascia ao ser de que fui apartado
Então me vi convulsionando debruçado
De mãos abertas sobre a mesa que as prendia
Entre as paredes que têm sempre m’amparado
Mas não me via com os olhos do passado
Que marejados já de tudo desistiam
Pois não sabiam que hei de ser sacrificado
E nesta via, hei de ser também testado
E, com espinhos, ser vilmente coroado
E, humilhado, sofrerei com alegria
Só neste dia, sendo enfim crucificado
Tendo ao meu lado dois ladrões em agonia
Recordaria que já fui ressuscitado
(Djalma Silveira)