A árvore mais bonita
Eu arranjo meus arranjos de flores.
Eu corro nos meus caminhos incertos de amores,
de amores partidos para longe, para o depois...
aquele depois eterno...
aquele depois de ilusão.
Mas, se me coubesse reverter nossa história,
rogaria prostrado sobre seus espinhos:
antes de que sobre nossas cabeças de menino
desabe o céu dos homens austeros,
pelo menos a louca do mercado encontre clientes generosos...
E, sobre o alto do monte, vejamos algum refúgio
para desabarmos sobre o chão
no qual nossos andarilhos pés já pisaram
nos dias de chuva.
Deixa-me um pouco dos teus braços.
Deixa-me um pedacinho da tua raiva.
Deixa-me só um pouquinho dos teus olhos ligeiros.
Antes de que nesta terra faminta
nossos velhos pais do campo já não semeiem
no inverno esperado,
nem semeiem abortos ou sonhos
que não lhes são permitidos:
permita-me quebrar os espelhos da nossa infância.
Decerto, em algum dia, uma menina faceira,
que também cante aquelas nossas cantigas,
recostada numa parede de barro,
ou numa parede de pedra ou de desejos,
sentada num gramado de pelúcia
ou de urtigas,
veja em algum caquinho perdido
como eram nossos rostos...
Mas ela não poderá nos conhecer
nem ver que choramos juntos
ao vermos o caixão da velhinha que se fez trovadora
e que tantas vezes nos cantou cantigas de gente grande.
De gente grande ocupada demais para nós,
de gente grande, muito grande... e pequena
para entender que todos os nossos crimes
eternizaram-se na árvore mais bonita
da Praça dos Romeiros.
Será que a menina se recostará lá também?
Será que seus olhos também serão ligeiros?
Ou será que não verá cor alguma,
não verá graça alguma nas iniciais inscritas no tronco?
E não se intrigará o suficiente para perguntar:
-Que mãos faceiras e quentes e frias escreveram isto?
Porventura encontrará, em algum caquinho perdido de estrada sem dono,
um cheirinho de vida,
lançará ao solo uma incontida lágrima
e lastimará como nós lastimamos:
por não ser digna de vivê-la
sem encontros
em descaminhos.