A VELHA ESCRIVANINHA

Vem dos idos de sessenta

aquela velha escrivaninha

que se chamava "bureau"

e pertencia a meu pai.

Hoje, largada no sótão,

lembra um tempo mais feliz

que aos poucos se esvai....

Fragmentos de emoções

sepultados na poeira

a esperar que, um dia,

a mão do poeta desvende

a caixa-preta perdida

para recompor os cacos

da sua história de vida.

No fundo de suas gavetas

o velho "bureau" hospeda

um punhado de emoções:

-calendário amarelado

do velho ano em que nasci;

-santinho de Getúlio Vargas

na campanha à presidência;

-foto de uma atriz francesa;

-escudo do Botafogo,

meu time do coração;

-de Brasília, o cartão-postal

da Capital em construção,

envolta no pó vermelho,

cor do sonho nacional.

Mais abaixo, num escaninho,

um presépio natalino:

a manjedoura, a cabana,

Maria, José e o Menino

sem um braço e sem os pés,

que as traças comeram os dois

antecipando a corrupção

que os férreos cravos fariam

trinta e três anos depois...

Observando estes escolhos,

naufrágio do coração,

constato, com os próprios olhos,

os estragos que o tempo faz

em nossa humana dimensão...

COMO A VIDA É TRANSITÓRIA !

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Renato Alves
Enviado por Renato Alves em 08/02/2010
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