Dissertação de espanto sobre a América Latina

desde os seios da Patagônia

que se estendem, assim, em andes desatados

montanhas que se queiram gritos

pedras que se digam tão cansadas

e que perdurem pela vida

como anseios e recados

que a terra dá aos homens

nos seus tempos de enfado

desde as costas de Guaiaquil

deitada em vã geografia

de casas e homens reunidos

na praça geral que não se quis

veleje por mares incontestes

a saúde dos desejos a que se apreste

aos que nunca a morte discutiu

desde os ombros do serrado

trançados a muque pelos ventos

desfaça-se o gosto do pecado

dos erros que se tem nas gentes

porque em vão desconsolado

o coração arquitete grave plano

de bater-se pelas ruas como soldado

de uma guerra havida impunemente

desde o colo da Argentina

gravado nos olhos dos infantes

que nunca se dizem retaguarda

como sempre se disseram avante

pendurados assim adredemente

nos sonhos que desfazem mansamente

como se fora a prontidão

de uma passeata quase urgente

desde os ombros de Cuzco

lavrado em pedra e pranto

um choro assim descontrolado

um riso sempre transeunte

e nem se disseram da cor

das dobras do horizonte

apenas cerziram à tua face

esse desenho ilógico de inca

que nem precisa amanhecer

para que a madrugada se pressinta

desde os sonhos de Bogotá

aranha tecida de fuligem

que sobe os morros em teu sono

e que em noites seu coração exige

nem bem trançaram suas veias

e te pusestes com gosto de menino

desde o raso da Catarina

que te tem serpente sem dizê-lo

e que já me diz das cores

que nunca trarás nos teus cabelos

porque morena

nem mulher se limite

com os sonhos que ouse pousar

em todos os seus cabides

desde Quebrada del Yuro

uma Bolívia entristecida

jogadas em camas que não queira

do tamanho de toda tua vida

desde Medellin

imóvel em seu paradigma

de parecer-se uma rosa

mesmo que não se diga

desde Brasília

adormecida em ângulos

na certeza de que o tempo

é sempre mais um tanto

desde o Titicaca

com seu jeito de mar arrependido

e a certeza de que a água

é mais um sonho indefinido

porque se se espalha

pelo vão do peito

melhor morrer-se sonhando

da largura exata do teu medo

desde, enfim, essa América

abraçada em vão à natureza

permaneçam teus olhos como dela

como de si te venha tal delicadeza