Haverá manhãs

haverá manhãs

em que meu pai me faltará

e eu, jogando à vida,

inventarei as tardes

em que ele esteja

haverá manhãs

em que me faltarei

e caminharei pelas noites

como um falido vagalume

haverá manhãs

em que as manhãs faltarão

e os homens caminharão sem tempo

pelos sovacos do mundo

haverá espaços

em que as noites faltarão

e a estrela da manhã

adormecerá encoberta

nas dobras do teu vestido de tule

haverá corações

engordurados

e a estranha sensação

de vãos pecados

haverá razões

desencontradas

e a extrema razão

dos astronautas

haverá senões

em cada face

e haverá um verbo

que me baste

haverá um caos

em cada esforço

e o exato ângulo do peito

em que me morro

haverá vontades

que não se aprestem

a remoer os fatos

através dos séculos

haverá soluções

de problemas não postos

e uma leve fímbria da tarde

em cada nesga de remorso

haverá manhãs

em que meu pai me faltará

e eu amolgarei os tempos

em que ele estivesse

haverá desusos

frequentemente

e a leve compreensão

do que se sente

haverá multidões

que se farão sozinhas

e canções e invernos

nas esquinas dos ventos.