O último olhar
(Em fevereiro, eu volto)
-Sônia Sylva-
Meu coração se sente esquecido
Como um livro entre prateleiras.
Cujas folhas, amareladas pelo tempo,
Guardam histórias de um amor sem fim.
Entre os raios de sol da manhã neste quarto,
Até ao cair da tarde,
Percebo apenas um suave vento
Entrar pelas frestas da janela.
A brisa toca os livros
Esquecidos sobre a mesa...
Entre as páginas amareladas,
O vento deixa visíveis as letras
Graciosas e melodiosas
Cantam e desenham imagens para mim:
O perfume de ti; o gosto de teu beijo
E o abraço na despedida...
Um vento mais forte, páginas dançam sobre o palco da mesa,
A orquestra afinada, rítmica e silenciosa
Faz as alegres e brancas folhas,
Saltarem de um lado para o outro.
Meu olhar procura a janela
E rente ao horizonte
O sol se encontra.
Uma verdadeira tocha na minha direção.
Não posso sentir seu calor,
Há uma vidraça me ocultando
Mas, seu esplendor não é menos abrasador
Que o verão de dezembro, sob o sol das onze,
Em que eu te vi
Pela primeira e única vez...
Volto ao palco das folhas bailarinas...
O sol desaparece de vagar...
O vento cessa.
As brancas folhas se aquietam.
O quarto está vazio, só me resta apagar a luz
E deixar o silêncio da noite reinar nesse universo...
Que um dia foi vida.
Reinava poesia, confissões, planos, emoções!
E...
Ao puxar a porta pela última vez
Ainda te vejo
Acenando o último adeus para mim!
(14.03.2010)