Cora Coralina e o Rio Vermelho

Fazia doces com as mãos e com a boca.

Doces de frutas e de metáforas

para suavizar a amargura que brotava da memória.

Cozia caldas em tachos de cobre

e o calor era tanto que espantava todos os medos.

Ao lado corria o Rio Vermelho,

sem tomar conhecimento de sua existência.

Há mais de um século, o rio lambe os alicerces da casa da doceira

e só encontra o sal das pedras.

O doce e o sal quase se tocam na casa da ponte.

Depois seguem caminhos diversos.

Um para o deleite de quem fica saciado.

O outro vai com o rio,

Ora calmo, ora se debatendo em paredes, rochedos e barrancos.

Serpenteia, encharca a terra e suga mais sal.

Insaciável segue buscando o mar.

Agora, na casa da ponte,

o doce de Cora virou memória

e os versos são servidos, aos bocados,

a quem vai, como criança, procurar novos sabores.

O rio passa como se não tivesse passado o tempo.