A fonte d'água e o Suruquá

Tinha eu cinco anos

Faz a memória lembrá

Todo dia eu ia a fonte

Busca água pra tomá

A fonte no meio da mata

Só tinha uma picada pra passá

Na mão carregava o balde

No pescoço o bodoque

Muitas pedras e o borná

Meu esporte preferido

Era atirar pedras no Suruquá

Mas o passarinho esperto

Eu não conseguia acertá

Quando de longe me via

Já pegava a voa

Desse jeito eu vivia

Sem com nada preocupá

Mas o tempo foi passando

Tudo isso veio a mudá

Desde o dia que foi tirada

Toda a mata do lugá

Só ficaram ali as cinzas

E a galhada do ingá

A fonte d'água isolada

Só tinha o gado pra pisá

Sem as árvores e sem a mata

Foi-se embora o Suruquá

Eu abandonei o bodoque

Com as pedras e o borná

Fui embora pra cidade

De empregado trabalhá

Mas o tempo passa depressa

Que a gente nem consegue notá

Já se passaram vinte anos

Eu distante do lugá

As pedras que são pedras

Um dia podem se encontrá

Eu também bati de volta

Pra minha terra natá

Pra ver a fontinha d'água

E também o Suruquá

Quando cheguei na minha terra

Fui buscar água pra tomá

Vi a fonte só com barro

E pouca água há merejá

Em volta só tinha o gado

E o gramado pra pastá

Toda esta situação

Começou a incomodá

Tiramos o gado do pasto

E plantamos árvores no lugá

Enquanto as árvores cresciam

Eu mudei pra outro lugá

Ali ficava os irmãos

Pra tudo isso cuidá

E depois de alguns anos

Eu voltei pra visitá

Pra chegar até a fonte

Já tinha picada pra passá

Tudo em volta já era mato

Tão bonito pra se olhá

Pé de pêra estava viçoso

Ficou grande o araçá

A fonte d'água tão limpinha

Transbordando na laterá

Eu peguei meu copo d'água

Que enchi pra tomá

Nesse instante perguntei

Mas cadê o Suruquá

Que quando tinha cinco anos

Meu desejo era caçá

Num relance pela mata

Tinha galhos à balançá

Vi um pássaro voando

De galho em galho até chegá

Quanto foi minha surpresa

Vi na frente com sua beleza

O passarinho Suruquá

Tava ele de bico aberto

Parecendo quere falá

Que todo passarinho é manso

Basta não querer matá

Com o tempo é o rei dos mestres

E danado pra ensiná

Que a vida é mesmo assim

Sempre há algo por faltá

Se hoje tem a fonte

Tem a mata e o Suruquá

Mas cadê o meu bodoque

Com as pedras e o borná

Foi embora com minha infância

E nunca mais pode voltá

Mesmo que eu tivesse às armas

Não tenho coragem pra matá

Quero ver o pássaro liberto

Vigiando este pomá

E com o seu cantar maravilhoso

Encantando este lugá

Hoje aqui sou um forasteiro

Eu só vim pra visitá

E contar a minha história

Da fonte d'água e o Suruquá.

Ciro Corbari
Enviado por Ciro Corbari em 21/11/2023
Reeditado em 21/11/2023
Código do texto: T7937205
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