Calado simplesmente

Ao despertar a vida parece-me hedionda,

um barco sem horizonte nem Luar...

Será talvez por ver nas vagas ondas

uma imensa vontade de naufragar.

Quando desperto dormem as fontes

e as gaivotas ao vento perdem penas

a saudade manifesta-se nos poentes

e eu visto todo o corpo de poemas.

Às vezes o silêncio sabe a chuva

e o peso do destino sobre os ombros

cheira a malvasia, sabe a uvas,

parece um cair de tarde sobre pombos.

Ninguém me há-de saber os medos

os que trago em abismos infinitos

a frieza retesada dos meus dedos

e a agonia penitente dos meus gritos.

Porque a vida na verdade é uma pluma

em que sou um vendaval, subitamente,

talvez nunca seja coisa alguma

sendo eu calado simplesmente.