Auto-retrato

Poesia on line. Mote para 22.08.2008 proposto por AndrP:

Mote: Auto-Retrato (ou de alguém que achem que merece um elogio)

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Magro, de olhos azuis, carão moreno,

Bem servido de pés, meão na altura,

Triste da facha, o mesmo de figura,

Nariz alto no meio, e não pequeno.

Incapaz de assistir num só terreno,

Mais propenso ao furor do que à ternura;

Bebendo em níveas mãos por taça escura

De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades

(Digo, de moças mil) num só momento,

E somente no altar amando os frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento;

Saíram dele mesmo estas verdades

Num dia em que se achou mais pachorrento.

(Bocage)

Auto-retrato

Maria Quitéria

Sonho luas e bebo estrelas,

quando canto, eu desafino,

queria ser menino:

bolinhas de gude e bolas, tê-las.

Brinco de sol no horizonte

quando os heróis adormecem,

meus sonhos nunca fenecem

no verde olhar da fronte.

Tenho pernas longas e duras,

um gargalhar de pomba-gira,

sou como o fogo de uma pira

e nas palavras, facas que furam.

Também sou menina carente

que sonha uns sonhos esquisitos,

quando raivosa, mostro o dente

como aqueles bichos aflitos.

Danço para a lua, na cheia,

o manto é despido na mata,

fico inteira sem peia;

assobio, chupo cana, chuto lata.

Sei não, sou a viva foto colorida

no porta-retratos da estante:

sou criança, anciã, séria, bacante;

narcisa, entre a mocinha e a bandida.

Sampa, 21.08.2008 14:14hs

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