A RUA

A RUA

-I-

Todo dia nela piso, não reclama - a vejo da janela.

Nunca aviso, ela não tem juízo - porque o riso?

É o humor que vem, você também - no teu vai e vem.

Vamos de novo pisar, homenagear - sobre ela viajar.

-II-

Rua que és a casa, para o pardal que perdeu a asa, és profunda e também rasa.

Não vasa; vai e arrasa, lá é a casa sua, só não fique nua, está claro com a lua.

Fique contente, é minha igualmente, vejo muita gente fria e quente.

Passeio de dia, à noite, que alegria, ser você - às vezes eu queria.

-III-

Rua me sente, estou solitário, és pesada, parece um calvário

- às vezes um rosário.

Olha o manequim, nem olha para mim, vou entrar é um botequim.

Tem gente andando, alegre, sorrindo, cantando; olha ela - esta chorando.

Multidões; aonde vão, na esquerda e direita, a procura do pão - olha um ladrão;

-IV-

Porque isto, outro dia já tinha visto, que pena, santo Cristo,

Deixe que a lei acerte, não se alerte, tem criança que aqui se diverte.

Adulto também, até encontrei um bem, era linda, foi no meu vai e vem.

É plana, sobe e desce até me engana; achei uma linda gata, acho que me ama.

-V-

Tenho certeza, joga fora esta tristeza, sai desta frieza, canta ela, mostra destreza.

Muitos amores na rua nascem, são lindas todas vem, muitas, mais de cem

- procuram quem?

A seu lado já fui feliz, fui professor e aprendiz, muito eu fiz - quase sempre todas quis.

Tem loirinhas, escurinhas, magrinhas, gordinhas, magrinha - olha que galinha!

-VI-

Tem gente chorando, alguém esta brigando que esta rolando?

- Ela não esta mais amando.

Um fim de amor, olha sinto dor, todos ficam tristes, agarro o meu - sinto temor.

Mas nasce outro, encontrará paz noutro, não chores, ande - veja aqueloutro.

A rua é mansa, recebe pés que forte a pisam, não se cansa, até gente que dança.

-VII-

Ouço um instrumento, é lisa de cimento, ela me convida - será que experimento?

Muitos dançam, outros olham, o ritmo avança - ela me traz uma lembrança.

A rua é mesmo um palco, gente sóbria e até com álcool - sinto perfume de talco.

Gente correndo, a felicidade querendo, outros sofrendo - olha a água;

-VIII-

A rua recebe a chuva, o vinha da uva, até limpa a mão turva, e veste uma luva.

A rua que sofre; com o lixo do cofre, te suplico com este estrofe.

És curta às vezes longa e minha força me furta, umas claras e outra escura gruta.

Te seguirei, não sei onde vais, hei!; Que importa, também não sei; aonde irei.

-IX-

Rua que sobe e desce, ando na frente nada aparece - na frente há algo que cresce.

É ela, vejam como é bela, olhe lá, em frete, na janela, rua bendita

- atirou uma flanela.

Quem me dera, não é para mim, que quimera, mas eu lembro é a Vera

- já fui ninguém me espera.

Rua me leva adiante, será que procuro um diamante, cuidado de cima - ali na frente.

-X-

Cai roupas como uma bala, ajudem ele esta sem fala, diz ele;

“é aquela mala para rua ela me jogou”.

Já sei alguém brigou, pela janela muita roupa voou.

Rua aceitas os despejados, mal amados, todos estão cheios de pecados?

Rua é o último recurso, o homem sofre no transcurso, vira um urso; quem és?;

-XI-

Rua machucas meu pé, andei muito vou até não sei, procuro o Deus Javé,

Aqui amor se vende, são elas entende? Nas esquinas do amor são duendes.

Por um dinheiro, faço amor num tabuleiro, me amam não perguntam se sou herdeiro;

Amor que passa, que desgraça, vou tomar uma cachaça - esta pesada esta cruz.

-XII-

A rua sobe e me conduz, já aparece é o peso da cruz - lá no alto está Jesus.

Desce, na escuridão e tudo desaparece, a favela cresce, aqui gente perece.

Póbre de mim, corro procuro um jardim, calçadas de marfim, será para mim?

Olhe assim, quem sorri é um manequim, as flores acenam para mim; onde estou?

-XII-

Rua aqui eu paro; ou será que vou, quem mora aqui muito dos outros tomou.

Limpa e cheia de guardas, são muitas jardas, coloridas - olhe suas fardas.

Nome chique, não tem alambique, só boutique, estou só - ninguém para que eu fique.

Sempre a me receber, quando ando ou quero correr, me viu nascer e agora crescer.

-XIV-

Rua quanto segredo, às vezes me mete medo, tens sabor do mel e o azedo.

Chamam-te de flor pura, rua da amargura, há séculos já dura

- sei que és bastante madura

Há as novas, outras muitas coisas viram mas não há provas

- teu nome é musica e trova.

Toda hora te vejo, te olho acordado, as vezes bocejo - cansado durmo e te beijo.

Samoel Bianeck
Enviado por Samoel Bianeck em 26/02/2006
Código do texto: T116194