TESTAMENTO DE UMA SONHADORA



Se eu morresse amanhã, para quem eu deixaria
Todas as minhas lembranças, as minhas desilusões,
As noites tão mal dormidas, tantos sonhos, fantasias...
Se eu fizesse um testamento com tantas recordações?
Se eu morresse amanhã talvez nem fosse lembrada
Já que tão pobre que sou, nada tenho pra deixar,
Senão as noites choradas e tantas lágrimas salgadas
E ninguém para secá-las é isso, não tenho nada...
Se eu fizesse um testamento para quem iria deixar,
As minhas noites estreladas, orvalho das madrugadas
Que se misturam às lágrimas que me caem sem cessar?
Nem teria a quem deixar. O canto dos passarinhos
Que em bando sempre vêm, pertinho cantarolar.
E as rosas tão viçosas que nascem entre os espinhos,
Protegendo-se de vândalos que sempre as querem roubar?
Pois é, eu mesma não tendo nada e às vezes me sinto rica!
Às vezes até milionária, com tanto pra preservar!
Pois a natureza é sábia e mesmo desprotegida,
Acolhe-nos, até nos nina, que parando pra pensar,
Às vezes sou tão menina, nas travessuras da vida...
Se eu fizesse um testamento, para quem eu deixaria
Os sonhos que semeei, tantos cantos que cantei,
As minhas noites de insônia, nas quais viajei sonhando,
Por tantos cantos longínquos que tanto sobrevoei?
Talvez, milhões de herdeiros que ctambém tanto sonharam,
Nas noites e madrugadas que de saudades chorei.
Se eu morresse amanhã, quem sabe na madrugada
Alguns dos muitos herdeiros nem me pediriam nada,
Porque a mãe natureza nunca nos deixa sozinhos;
Cobrir-me-iam de flores, daquelas mais cobiçadas
Para que não eu me esquecesse de que não faltou carinho
E eu teria uma urna de madeira envernizada
Onde alguns me levariam como se fora semente
E de mim até brotasse, novas flores, novos frutos
Para alimentar os pássaros e até mesmo outra gente!
E eu que não tinha nada me transformaria em tudo,
No mundo pra onde fosse, prosseguiria na lida,
Ainda saudando o mundo, gerasse novas sementes,
Seria o meu testamento na vida de outras vidas.