Ode a um pardal travestido

" ... mas o pardal, agora travestido em rouxinol,

num voo rápido e seguro, veio de cima do muro ..."

Canto inicial

Mais uma vez, o filamento de areia azul,

parou de cair na ampulheta.

Seis minutos se passaram...

Os pinheiros do vidro verde,

recendiam como água de colônia,

e lá fora, um pardal, um pardalzinho à toa,

tomou um banho de tinta amarela,

e veio sob a minha janela,

fingir que era um canário cantor.

Ouvi os sinos, procurei o campanário,

mas não achei. Os sinos tocam,

e os sons não veem da torre,

vem do interior de um coração...

Dois veleiros ancorados no oceano verde,

deixaram sair seus escaleres,

que alcançaram a terra,

com parte da tripulação,

procurando uma coisa qualquer.

E as orquídeas no estaleiro,

ainda não floresceram.

Há mais de um ano que eu espero

ver uma orquídea abrir-se

no estaleiro do quintal.

Um cachimbo velho e já quebrado,

descansa n o cinzeiro verde.

Tem no seu bojo tabaco já queimado,

e descansa solenemente,

entre tocos brancos de cigarros,

entre palitos queimados e papéis de bala.

Enquanto isso, na estante,

o cachimbo novo, mais aristocrático,

e também mais caro,

espera para tomar um banho de conhaque.

Uma caneta sem tinta e um par de meias,

entre duas caixas de fósforos,

fazem companhia a um pente meio banguela,

que perdeu a metade dos dentes,

na sua faina diária e incansável,

de alisar cabelos desalinhados.

Meia vela branca de estearina,

com um pavio comprido,

arde no castiçal de latão.

A pequena chama alaranjada,

tenta iluminar o ambiente,

quer afugentar a escuridão

mas só consegue criar

uma pequena aura de luz,

sobre os pinheiros verdes

e sobre os barcos amarelos

no oceano agora azul.

Canto II.

Uma volta inteira no tempo

e mais uma vez a areia azul

começa a cair, num filete,

para marcar mais seis minutos

e quinze segundos inexatos.

Mais um toco de cigarro,

descansa agora no cinzeiro,

cemitério dos restos do vício

que vai apodrecendo os pulmões.

O filete da areia azul,

já atingiu metade do vidro.

Mais três minutos perdidos,

três minutos que se passaram

e não voltarão jamais.

Existe sol lá fora, é dia,

mas a luz não consegue

passar pela veneziana.

O pardal ainda canta alegre

pensando agora ser rouxinol!

Com tinta aquarela pinta o corpo

e toma lições de música

com o casal de periquitos

que mora na gaiola dourada

feita com latas e óleo de milho.

Pela fresta da janela

eu vejo os vasos de orquídeas,

que não tem flores e nem botões.

Este ano ainda espero

uma orquídea florescer.

Quatro moedas correntes

de aço inoxidável,

empilhadas sobre a mesa,

agora caíram e se agruparam dias a duas

somando três caras e uma coroa.

A mulher que e tem estrela na testa

e usa um barrete frígio,

parece que sorri para mim.

Olho para seu rosto sereno

e imagino-a de cabelos loiros,

e doces olhos azuis.

No reverso da medalha,

uma torre de petróleo

olha para o dois descomunal

que se junta com o zero à direita

para formarem o numero vinte.

Canto III

Mais uma volta na ampulheta,

e a areia azul agora,

começa a cair outra vez

marcando os primeiros segundos

dos próximos seis minutos.

Chegou o jornal do dia,

e eu já sei que ontem,

foi aniversario de um jogador de futebol,

morreu um paciente

operado de amidalite

e o consumo da energia elétrica

aumentou em quase dez por cento

quase no final do horário de verão.

A borboleta azul

tem nas asas círculos amarelos,

ladeados por elipses verdes.

Ela pousou num girassol

e fez de conta que era um colibri.

Mas o pardal,

agora travestido em rouxinol,

num voo rápido e seguro,

veio de cima do muro

e fez de conta que a borboleta azul

era um filé mal passado

e tomou sua refeição

sobre o girassol amarelo

que serviu de guardanapo.

Canto final

Agora o último grão de areia caiu

e a vela se apagou.

A chave está à minha frente:;

é a chave que abre a porta

do quartinho de bagulhos

do fundo do quintal.

Tomo a chave e faço dela

aquela que abre todas as portas.

Abro a porta dos sonhos

e durmo sonhando com a areia azul

que a cada volta conta seis minutos

desta minha vida sem razão.

LuizMorais
Enviado por LuizMorais em 02/03/2012
Código do texto: T3530315
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.