UM LONGO APITO NO CAIS
UM LONGO APITO NO CAIS
Um longo apito no cais, é hora, é hora!
Vai partir o meu navio e somente agora
Vejo quanta coisa aqui deixei pra trás...
Vai partir minha nau e sei que quando,
A bordo dessa nave em se estando
Não se retorna ao porto nunca mais...
Soltam-se as amarras e como se risse,
Como se feliz na hora em que partisse,
O veleiro do tempo, lento, se desloca...
Tristonho na amurada debruçado
Sinto, entre meio confuso e assustado
Algo suave que meu ombro toca.
Era uma linda mulher que me sorria
E nem vi mais a vela que se abria
Enquanto o vento gentil nos carregava...
Dessa mulher emanava amor tão puro
E parecia conhecer-me, juro!
Pela maneira gentil que me olhava
Atônito, nervoso, perguntei quem era
“Veja só”, disse, “depois de tanta espera
Não se lembra de quem mais amou?
Pois sou tua musa, aquela do retrato
A que fez de você um abstrato
A dona dos sonhos que você sonhou...”
Eu a reconheci de pronto e minha alma,
Nesse momento perdendo toda a calma,
A abraçou feliz, em doce encanto.
Como podia, meu Deus, acontecer tal fato;
A Deusa de meu ser, a do retrato,
Viajar comigo a qualquer canto?
Foi aí que me lembrei que esse navio,
Vagando pelo mar, eternidade a fio
É o navio da vida que não volta mais...
Era tão jovem a minha doce amada
Que triste sina, coisa mais errada
Eu só lhe queria a sorte, a vida, a Paz!
A mulher, que era uma velha agora
Arquejante, trêmula se escora
E me pede perdão por ter mentido:
“Só quis dar um pouco de felicidade
Uma mentira, só por piedade
Por saber o quanto você tem sofrido...
Se por um segundo só eu conseguisse
Fazer com que você sentisse
Que finalmente estava ao lado dela
Esse seria o meu contentamento
Ver tua alma como agora o vento
Faz o milagre de inflar a nossa vela...”
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Não a vi a bordo pela viagem afora
Mas sei que ela era boa, pois agora
Tristeza nesse barco nunca mais...
A boa fada, quem sabe, vai andando
Pelos cantos do navio relembrando
As esperanças que ficaram em cada cais
Ela não sabe essa doce senhora
Que eu fui ali naquela hora
Em que a “musa do retrato” eu abraçava
O mais feliz de todos, desses mares
E que depois de todos os sonhares
Tive o calor dessa mulher que amava...
Fim