o manicômio

O manicômio

Certa vez, no início do segundo milênio, visitei um manicômio situado na grande São Paulo. O vento que soprava forte no pátio da clínica recolhia as folhas que se desvencilhavam da única árvore existente no pátio, a chuva se anunciava abaçanada naquele dia. No portão de entrada um velho cadeado enferrujado denunciava a fragilidade de segurança da instituição.

Uma mulher bem vestida, Viúva e melancólica não largava a cor negra, usava um casaco de couro, luvas e cachecol, tudo era negro, o sorriso dela era negro, seu véu de orações era negro, aliás, até o juízo vestia negro, a sombra que habitara seu ser a enlouquecia, apesar da lucidez aparente, estava incutido nos seus princípios a frenesi que lhe consumia aos poucos. Não havia perdido o fulgor porque nunca o tivera, conhecia no ímpeto a solidão, apegava-se aos livros e aos hábitos taciturnos e cadavéricos. Ela rosnava como cachorro, e babava, e vomitava, e se tornava insani num relapso fugaz... Mas o que esperar daquele lugar.

Andei a passos largos, já arrependido de estar ali. Passei pela recepção onde vi uma linda jovem atendendo ao telefone.

-Manicômio mundo novo, Bom dia!

Logo a frente um consultório, onde um homem alto e magro, de cabelos grisalhos e avental branco, sob olhos negros, inteligíveis e debochados me observava. O homem gentilmente me cumprimentou e hospitaleiramente me convidou a entrar. Entrei.

Sobre sua mesa uma placa de acrílico denunciava seu nome e seu cargo. DR. Jesus.

Perguntei numa lógica prudente se ele era o Dr. Jesus, ele respondeu que sim.

A sala branca de aspecto sereno, tinha ao descanso da parede um quadro com anjos esvoaçantes e traquinos.

O Dr. Jesus ligou o abajur que estava sobre a mesa, esparramou os braços ao encosto da cadeira, acendeu um charuto de marca incontestável e o colocou atrás da orelha. Perguntei se era simpatia, e ouvi a resposta mais surpreendente que já ouvira. Disse-me ele, que gostava de escutar o charuto queimando. Perguntou ainda se eu era algum médico, ou psicólogo... Respondi que eu era somente um curioso buscando refúgio num lugar diferente.

Com educação e uso da eloqüência pediu licença para tratar de uma paciente.

No corredor ao lado havia uma mulher, toda de negro, aquela mulher de sorriso negro, mastigava um lápis e olhava um olhar agressivo e pungente, sutilmente foi abordado pelo Dr. Jesus. Que lhe cochichou ao ouvido, a paciente de olhar pungente acalmou-se, sorriu e seguiu seu destino ao braço e cuidados de um enfermeiro que o aguardava.

O Dr. Jesus me disse, ainda no corredor, que a loucura é como um rabisco na parede, é a primeira coisa que as pessoas percebem quando a parede está bem pintada e sem marcas, eu olhei para as paredes brancas da clínica e as percebi rabiscadas e um pouco sujas. “nada comentei”...

Ele entrou novamente em sua sala, eu pedi licença e entrei atrás , o parabenizei pela competência e sabedoria, achei que também necessitava de cuidados psiquiátricos.

Ele sugeriu que eu sentasse em sua cadeira confortável, fechasse os olhos e relaxasse...

E assim eu fiz...

Usou frases para desnortear uma confusão mental externada... Em sussurros, com voz pacífica, falou-me ao pé do ouvido.

“Um grito ruidoso acorda um surdo para a vida como quem enforca os pecados do mundo apagando a lápide onde levamos flores para nós mesmos”...

- “A liberdade do nosso mundo aprisionado são asas belas e grandes que se espatifam no turbulento universo de nossas obrigações”...

Percebi, meio que sonolento, que Há frases excêntricas para cérebros excêntricos.

Eu não sentia mais o pulsar do meu coração, nem minha respiração, somente uma paz delirante. Um susto arrebatador quase expulsa meu coração pela boca!

Um homem gordo, baixo que usava óculos e avental branco, entrou na sala abruptamente e desferiu um golpe na cabeça do Dr. Jesus, tirou-lhe um bisturi das mãos que estava encostado sobre meu peito, Gritou pelos enfermeiros que fizeram uso da camisa de força e o conduziu a enfermaria.

Eu nada entendi.

Em alto brado disse o homem gordo.

-Eu sou o Dr. Jesus e retirem também este paciente daqui, referindo-se, agora, a mim.

Confuso e circunspecto o indaguei:

-Quem é aquele outro homem!

...È um assassino que no ano passado matou uma paciente que rosnava e só vestia roupas negras!

...Ele diz ser Jesus Cristo, é o louco mais antigo do manicômio, e matou algumas pessoas com um bisturi, acreditando levá-los ao céu.