Noturno de Março

A atribulada ampulheta

vai deixando cair a areia.

Não se ouve o suspiro dos grãos,

não se vê o caminho que segue.

Apenas as sombras no coração

sabem dessa praia que pede.

Pede o sol pelas portas e janelas,

pede o testemunho da natureza

para chegar à praia verdadeira

a que só o verdadeiro amor margeia.

Mas há o tempo cinza nos linhos,

a rebelião das águas,

a inconsequência dos caminhos,

a terra deixando de ser sagrada.

E tanto tempo ainda a ser contado,

semeado, colhido,

antes de nos descalçarmos da jornada.

Que um céu nos nossos olhos refletido

ainda possa acender estrelas do nada.