Quando o beija-flor lilás beija o doce vento do amor.

Amanheceu em mim a idéia de morte.

Uma morte que era ressureição.

Ressureição de um louco desejo

de esquecer que alguém está me vendo

por trás do buraco da parede.

Nessas hora eu sou um sonho erótico,

um guarda noturno,

um animal exótico,

um herói taciturno.

uma abelha rainha,

uma fada madrinha,

uma saia rasgada,

uma camisinha furada.

Nesse conto de bruxas

minha metade sapo se funde com minha metade príncipe

ao ser beijado por uma desonrada princesa vestida de pomba-gira.

E enquanto no céu de minha boca

anjos sensuais me aguardam

tocando sinos de boas vindas,

sonho com meu amargo regresso

acompanhando o natural desenvolvimento do progresso.

Dou um salto e viro o mais ágil falcão a voar pelas nuvens.

Me atiro na terra e me torno o mais selvagem tigre a correr pelo mato.

Mergulho na maresia e sou um terrível e sedento tubarão a atacar sua

frágil presa por sobre as ondas.

E a saudade de uma época que eu me esqueço

me lembra que hoje há crianças cheirando coca-cola

e eu espero minha namorada na porta da escola.

O pai dela é bancário.

Sua mãe é professora.

Seu tio é estelionatário.

Sua prima é sedutora.

Me olha com olhar voluptuoso

celebrando minha rebeldia.

Me abraça um abraço fogoso

despertando minha lascívia.

Tudo isso acontece

quando o beija-flor lilás beija o doce vento do amor

e voa seu vôo veloz por cima da Baixada Fluminense

e bica seu viril bico teso

nas flores mais murchas e resistentes.

Entardeceu em mim a idéia de vida.

Vida que é verdadeiro falecimento de meu corpo

dentro de um coração quente.

Nessas horas eu sou um cavalheiro andante,

uma tradução malfeita,

uma idéia mirabolante,

uma proposta desfeita.

Um ator canastrão,

um cinema em última sessão,

uma pessoa esquecida,

uma coisa esquisita.

Nesse romance policial

minha metade PM se funde com minha metade bandido

ao ser capturado por um respeitável detetive vestido de traficante.

E enquanto no inferno de minha libido

demônios castos me escorraçam

me espetando de baixo para cima

me preparo minha festejada ida

e acompanho o natural avanço da tecnologia.

No mato sou a mais venenosa cobra a lançar sua língua pelo ar.

Na areia sou o mais astucioso caranguejo a cortar a carne com sua mão-tesoura.

Na parede sou a mais combativa formiga a lutar pela subsistência.

No ar sou a mais fagueira águia a bater livre suas asas.

E o desespero da época que vivo

me lembra que ontem haviam crianças que ainda

brincavam de roda

e a vida passa pela minha memória.

Ela vaza pelo meu corpo

se aloja em meu peito,

despenca aos meus pés

e deita em seu leito.

E o beija-flor lilás se deixa tragar pelo vento avassalador

que nos empurra para o nada

e nos puxa para o nem sei lá aonde.

Nos suga para o fim do mundo

e nos joga aonde Deus quiser.