POEMA INACABADO
O relógio bateu lá na sala.
É meia-noite, quase outro dia.
É quase dia, diz a canção que me embala.
A alma se cala e dá vez à melodia
Que se espalha pela noite
E ecoa pela sala: "outra noite,
Outro dia, outra noite, outro dia..."
É meio-dia no meio da noite
Porque o dia chega como feitor
Que brada o açoite
E no meio da sala, estala,
Anunciando impiedosa chibatada
Que cortará o peito, a noite e a fala.
É outro dia, é outra noite.
Outro século atravessando a madrugada
Até que o despertar, a alvorada,
Avise a noite para dar lugar ao dia
Ou diga ao dia para eliminar a noite,
Porque noite, dia, sala e melodia,
Se confundem em mente sufocada.
Outro dia, outra noite, não importa.
Se um dia sucede o outro dia, a noite corta
A dança da luz que se esforça e se entorta
Para iluminar a janela do quarto,
Afastando a escuridão do aposento
Como se em casa onde habita sentimento
Não houvesse um peito dolorido e farto.
O relógio bateu lá na sala.
E na dança das horas em que me embalo
Ouve-se um grito, um brado, um estalo.
Ouve-se vozes nas janelas, revoar de asas.
As luzes que se acendem pelas casas
Mostram a sombra de um corpo nú, açoitado...
E, ainda pulsando, exangüe, ao lado,
Fragmentos de um poema inacabado.
18.09.07