POEMA INACABADO

O relógio bateu lá na sala.

É meia-noite, quase outro dia.

É quase dia, diz a canção que me embala.

A alma se cala e dá vez à melodia

Que se espalha pela noite

E ecoa pela sala: "outra noite,

Outro dia, outra noite, outro dia..."

É meio-dia no meio da noite

Porque o dia chega como feitor

Que brada o açoite

E no meio da sala, estala,

Anunciando impiedosa chibatada

Que cortará o peito, a noite e a fala.

É outro dia, é outra noite.

Outro século atravessando a madrugada

Até que o despertar, a alvorada,

Avise a noite para dar lugar ao dia

Ou diga ao dia para eliminar a noite,

Porque noite, dia, sala e melodia,

Se confundem em mente sufocada.

Outro dia, outra noite, não importa.

Se um dia sucede o outro dia, a noite corta

A dança da luz que se esforça e se entorta

Para iluminar a janela do quarto,

Afastando a escuridão do aposento

Como se em casa onde habita sentimento

Não houvesse um peito dolorido e farto.

O relógio bateu lá na sala.

E na dança das horas em que me embalo

Ouve-se um grito, um brado, um estalo.

Ouve-se vozes nas janelas, revoar de asas.

As luzes que se acendem pelas casas

Mostram a sombra de um corpo nú, açoitado...

E, ainda pulsando, exangüe, ao lado,

Fragmentos de um poema inacabado.

18.09.07

Paulo Sergio Medeiros Carneiro
Enviado por Paulo Sergio Medeiros Carneiro em 19/09/2007
Reeditado em 19/09/2007
Código do texto: T658672
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.